sábado, 11 de maio de 2019

O Brasil e a falta de prestígio científico internacional



"É tudo psicológico! Dinheiro... Pruu? Fica logo duro" - desejo, excitação e prazer entre boys de programa com práticas homossexuais em Recife" UFPE - dissertação de Mestrado em Psicologia

"Ou vai ou racha" e "Surto e Deslumbramento": Entre Carnavais e outras f(r)icções."  UFPE - dissertação de Mestrado em Psicologia


"Nem Santa, Nem puta: Performances de gênero e sexualidade em mulheres praticantes de swing"  UFPE - dissertação de Mestrado em Psicologia


"Dilma Rouseff: Uma mulher fora de lugar - Narrativas da mídia sobre a primeira presidenta do Brasil." UFBA - dissertação de Doutorado em Comunicação

Começamos o post de hoje de forma diferente.

Se você ainda não entendeu o que são essas imagens aí em cima, explico: todas elas são fac símeles (reproduções fotográficas) de teses de mestrado ou doutorado de alunos de universidades públicas no Brasil.

Se os títulos dessas dissertações deixaram você intrigado, constrangido ou chocado, isso é só o começo.

A questão em si é a seguinte: Em que tais produções cientificas colaboram para o desenvolvimento do nosso meio acadêmico e da nossa nação?

Se tomarmos como base áreas como Sociologia, História, Biologia, Agricultura, Medicina, Educação, Antropologia, Engenharia, Química, Física e Lingüística chegamos a uma estarrecedora constatação: O Brasil está sempre em péssimas colocações no ranking mundial CPP (citations per paper) - ferramenta mais utilizada para se determinar o impacto de milhares de artigos científicos em toda a comunidade acadêmica mundial. Em outras palavras, quando os trabalhos são relevantes cientificamente, eles são citados por outros pesquisadores em todo o mundo, como referência em suas pesquisas. É isso que agrega e valora a qualidade da pesquisa cientifica. Ficar sempre nas últimas posições define a qualidade dos estudos acadêmicos desenvolvidos no Brasil.

Vamos exemplificar para sermos mais claros. Usaremos como base os dados do Scimago (Plataforma que mede a influência científica de periódicos acadêmicos, considerando tanto o número de citações recebidas por um periódico quanto a importância ou prestígio destes periódicos).


Em 2015, o Brasil publicou 13,4 mil trabalhos de BioAgro (Biologia e Agricultura), recebendo um total de 44,2 mil citações ( Índice CPP = 3,29). Neste mesmo ano, a Suíça, com apenas 3.589 trabalhos, mas que geraram 29,8 mil citações (CPP = 8,32) desbancou, com larga vantagem, o Brasil. É importante que se observe bem os números em questão. Apesar de ter uma produção cientifica quase quatro vezes maior do que a Suíça, o Brasil não conseguiu alcançar pouco mais de 39% da influência científica alcançada pela Suíça.

A situação não é melhor nas outras áreas do conhecimento, na verdade fica até pior.

Vamos para uma área mais especifica: Geologia. Em 2017, o Brasil publicou 489 artigos nessa área, alcançando 0,41 de PPC. Hong Kong, com 63 artigos, chegou à marca de 1,62 no PPC. O Brasil perdeu até para a Etiópia, que com 23 artigos publicados chegou a 0,78 no índice.

Quando mudamos para Agronomia, a coisa não fica melhor. Em 2017 o Brasil publicou 2810 artigos científicos relativos a essa área do conhecimento, perfazendo um índice PPC de apenas 0,22. No mesmo período, a Dinamarca, com 230 artigos publicados, chegou a 0,77.

Mas vamos para a área de humanas...

Se pegarmos as publicações de História dos anos de 2015 e 2016 fazemos a aterradora constatação de que o Brasil apresentou 17-18% do impacto da Dinamarca, país classificado 1º lugar no índice CPP em História. Em outras palavras, a Dinamarca teve 5,7 vezes mais impacto científico do que o Brasil nesse tema acadêmico. O quadro piora quando compararmos a classificação do Brasil com países como a Geórgia. Em 2017 nosso país publicou 439 artigos na área de história, o que lhe rendeu um índice CPP de 0,03. A Georgia, com irrisórios 17 artigos publicados, alcançou a marca de 1,47 CPP.

Em 2017, na área de linguística perdemos de lavada para países como Malásia, Turquia e até mesmo Sérvia. Os 459 artigos brasileiros publicados naquele ano, renderam apenas 0,06 de CPP, enquanto a Turquia, com apenas 83 artigos, alcançou um índice de 0,30 CPP.

Mas por que será que gastamos tanto em produção cientifica e obtemos números tão pífios?


É inegável que todas essas áreas e subáreas que citamos anteriormente, cresceram muito em quantidade de pesquisadores nos últimos 10-15 anos no Brasil. Isso foi preponderante para chegarmos a situação atual. A quantidade de recém-doutores aumentou 510% entre 1997 e 2017. Para se ter ideia do tamanho do problema, apenas em 2017 formamos mais de 21 mil doutores. Se muitos acreditam que isso é um enorme avanço acadêmico para nosso país, estão totalmente enganados. Inflar o número de doutorandos não é garantia nenhuma de qualidade da  produção científica. É justamente isso que vemos refletido pelos indicadores internacionais.

Além disso, não podemos deixar de mencionar o emprego de recursos financeiros na formação de uma gama descomunal de doutores. Tomemos apenas os números referentes ao investimento do nosso governo em bolsas de estudos para doutorandos. Segundo dados da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - cada aluno que cursa doutorado em universidade pública, recebe por mês uma bolsa de estudos no valor de R$ 2.200,00 ( Dois mil e duzentos reais). De acordo com as exigências desse mesmo órgão, o tempo mínimo de duração para conclusão de um doutorado é de 24 meses. Se tomarmos por base essa prerrogativa, multiplicando pelo valor pago mensalmente ao doutorando, chegamos a um singela estimativa de R$ 52.800,00 (cinquenta e dois mil e oitocentos) reais gastos apenas em bolsa de estudos para cada aluno concluinte em 24 meses. Se multiplicarmos esse valor pelo número de doutores formados em 2017 (21 mil) chegamos a uma cifra bem significativa: 1.108.800.000 (Um bilhão, cento e oito milhões e oitocentos mil reais). Isso gasto somente com o pagamento de bolsas de estudos para os 21 mil doutorandos de 2017.

Fica evidente que o baixo impacto de nossa atividade acadêmica foi causado pelo crescimento descontrolado e irresponsável de recém-doutores. Muitas teses que foram defendidas se transformaram em artigos de baixo impacto acadêmico – com poucas citações, ou mesmo nenhuma. Isso implica em uma consequência totalmente previsível: a grande produção de artigos por ano compromete significativamente a qualidade desses estudos.

Como vemos, a produção desenfreada, pouco criteriosa, que podemos até chamar de "industrial" de estudos acadêmicos fez cair a qualidade da ciência, uma atividade séria, que demanda pesquisa, observação, testes e comprovação.

Não adianta tentar dizer que a produção acadêmica brasileira é prejudicada pela falta de recursos. De forma alguma. Vimos que países muito mais pobres que o Brasil - Malásia, Turquia, Geórgia, Sérvia, Etiópia - conseguem alcançar índices PPC muito melhores do que os nossos.

Harvard

Fazendo um rápido comparativo entre Harvard, tida com a mais conceituada instituição acadêmica do mundo, e as universidades públicas do estado de São Paulo, chegamos a fatos estarrecedores. Em 2017 o orçamento anual de Harvard foi US$ 2,8 bilhões. Vale ressaltar que este dinheiro não vem do governo, a universidade é inteiramente financiada com doações de pessoas físicas e empresas, além do recolhimento de mensalidades. Já o orçamento das universidades públicas do estado de São Paulo chega à significativa cifra de US$ 2,1 bilhões (A USP sozinha ficou com US$ 1,55 bilhões), totalmente pagos por nós, contribuintes brasileiros. Números bem próximos, mas que se mostram totalmente oposto quando analisadas as conquistas de cada instituição. Harvard tem 40 Prêmios Nobel na sua história; a USP - Universidade de São Paulo, não tem nenhum. Durante os 106 anos em que a premiação foi instituída, Harvard já amealhou um Nobel a cada 2,6 anos. A USP, fundada há 73 anos, até agora nunca ganhou nada.


Não precisa ter doutorado para entender que a nossa produção científica tem baixa visibilidade mundial – poucos leem, poucos citam e pouco os utilizam como referências tais estudos. Daí podemos chegar a conclusão mais lógica: Se são pouco citados, devem ter baixa utilidade acadêmica. Mas isso já havia ficado bem claro, no inicio desse post, quando você, caro leitor ou leitora, leu os fac símiles das teses de mestrado e doutorado publicados no topo desse texto.

Se ainda lhe resta alguma dúvida sobre o porquê da nossa pífia influência científica na comunidade acadêmica internacional, vamos listar aqui mais algumas "brilhantes" teses de mestrado e doutorado, fomentadas pelas nossas universidades públicas.

1) Fazer banheirão: as dinâmicas das interações homoeróticas na Estação da Lapa e adjacências.

Curso: Mestrado em Antropologia na Universidade Federal da Bahia. 

Trecho: “Percebo que, para além de um simples terminal com um sanitário, a Estação da Lapa é ressignificada como espaço de práticas sexuais de desejos dissidentes, na direção de interesses tão diversificados quantos são os sujeitos que interagem na cena e que só são reunidos aqui pelo traço em comum dos desejos, diversificadamente, homo-orientados”.

Autor: Tedson da Silva Souza.


2) A estética Funk Carioca: criação e conectividade em Mr. Catra.

Curso: Doutorado em Sociologia e Antropologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. 

Trecho: “Mr. Catra é um feixe de relações, que catalisa caminhos e dá acesso a um mundo que mistura funk, favela, elite, poder oficial e crime”.

Autora: Mylene Mizrahi.


3) Mulheres perigosas: uma análise da categoria piriguete.

Curso: Mestrado em Sociologia e Antropologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. 

Trecho: “A piriguete representa, primeiramente, uma mulher que não se adéqua às normas de conduta feminina – ela expressa sua sexualidade e seu desejo, sua liberdade e seu poder”.

Autora: Larissa Quillinan Machado Larangeira.


4) A Zuadinha é tá, tá, tá, tá: representação sobre a sexualidade e o corpo feminino negro.

Curso: Mestrado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. 

Trecho: “Embora aproxime-se do pagofunk, tanto pelas letras sexualizadas como pelas coreografias, o pagode de elite, ainda que apresente letras menos sexualizadas, tem um estilo mais voltado para a suingueira – que o aproxima do pagodão”.

Autor: Wellington Pereira Santos.


5) Erótica dos signos nos aplicativos de pegação: processos multissemióticos em performances íntimo-espetaculares de si.

Curso: Mestrado em Linguística Aplicada na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Trecho: “Erótica dos signos denota a emergência de romper a divisão cartesiana entre mente e corpo e considerar o componente erótico na pesquisa para fazer ciência com corpo e alma. Também alude à sensualidade típica dos apps de pegação e evidencia o cuidado com a imagem de si, a pornificação de si como arena de embate político, a necessidade de uma metodologia que considere o corpo do pesquisador na pesquisa”.

Autor: Gleiton Matheus Bonfante.


6) Personagens emolduradas: os discursos de gênero e sexualidade no Big Brother Brasil 10.

Curso: Mestrado em Antropologia Social na Universidade Federal de Goiás.

Trecho: “Ao aproximar meu estudo com os de Fischer (2001) concordo que os meios de comunicação, no caso aqui analisados o programa de televisão e sítios de notícias do BBB, mostram-se como lócus privilegiado de informação, de ‘educação’ das pessoas, ao que a autora chamou de dispositivo pedagógico da mídia, pois, por meio das diversas estratégias de linguagem as mídias fazem a mediação da produção e da circulação de uma série de ‘verdades’ e, no caso do interesse desta pesquisa, ’verdades’ sobre homens, mulheres e gays”. 

Autora: Katianne de Souza Almeida.


7) “Agora eu fiquei doce”: o discurso da autoestima no sertanejo universitário 

Curso: Mestrado em Linguística e Língua Portuguesa na Universidade Estadual Paulista (Unesp) 

Trecho: “A canção Camaro Amarelo é um enunciado no qual estão presentes valores relacionados à ideologia capitalista do consumismo, tais como os valores das marcas famosas de produtos, da ascenção social e do amor por interesse”.

Autor: Schneider Pereira Caixeta.


8) O herói na forma e no conteúdo: análise textual do mangá "Dragon Ball" e "Dragon Ball Z"' 

Curso: Mestrado em Comunicação e Cultura Contemporânea, Universidade Federal da Bahia. 

Trecho: “Dessa maneira, notamos que essas passagens narrativas, em que um personagem faz referência ao outro no que diz respeito à morfologia, têm a função de criar uma situação de humorística maior do que necessariamente um espanto no sentido de uma impossibilidade de mundo em que eles habitam. Afinal, nesse mundo, encontramos tartarugas e porquinhos falantes, assim como sereias convivendo com personagens com a morfologia parecida com a nossa".

Autor: André Luiz Souza da Silva.


9) Experimenta-te a ti mesmo: Felipe Neto em performance no YouTube

Curso: Mestrado em Comunicação Social na Universidade Federal de Minas Gerais

Trecho: “Para fins desta dissertação, entendemos que as audiências dos dois canais de Felipe Neto no YouTube se referem a grupos de falantes que se vinculam temporariamente em uma situação específica de enunciação e circunscrita à ambiência midiática operada pelo site”.

Autor: Tiago Barcelos Pereira Salgado.


10) A pedofilia e suas narrativas: uma genealogia do processo de criminalização da pedofilia no Brasil

Curso: Doutorado em Sociologia na Universidade de São Paulo 

Trecho: "Por tudo que foi visto nesta tese, não é possível afirmar que a pedofilia seja, em sua totalidade, sinônimo de violência sexual contra a criança, embora os termos sejam usados de modo indiscriminado e intercambiável em quase todos os domínios do saber. Os diversos textos apresentados aqui demonstram que muito pedófilos nunca violentaram sexualmente uma criança; e que muitos agressores sexuais infantis não podem ser considerados pedófilos, por não se enquadrarem na definição psiquiátrica da categoria".

Autor: Herbert Rodrigues.


O mais triste disso tudo é que somos nós brasileiros que pagamos a maior parte dessa conta. 

Daí fica a reflexão: Você, pagador de impostos, está satisfeito com essa situação?

Depois de lermos essas pérolas, cai por terra qualquer argumento possível sobre manipulação de dados ou informações a respeito do tipo de saber acadêmico que estamos produzindo em nossas universidades. 

Em que tais estudos colaboram para o prestigio da nossa nação junto à comunidade acadêmica mundial? 

Como teses desse perfil podem ser consideradas primordiais para a sociedade brasileira a ponto de receberem investimento do estado para seu fomento? 

Como é possível que professores e orientadores compactuem com algo totalmente descabido? 

Já é mais do que hora de investirmos em estudos que realmente coloquem o nosso país em posição de renome na comunidade acadêmica mundial, trabalhos que elevem o Brasil a um patamar que nós merecemos. Enfim, resultados que nos façam trilhar os caminhos do Nobel.


Links

Link para Sistema Scimago

Link para matéria sobre aprovação do orçamento da USP 2017

Link para recursos da CAPES para bolsas de estudo

Link para Tese Fazer banheirão: as dinâmicas das interações homoeróticas na Estação da Lapa e adjacências.
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/12572

Link para Tese A estética Funk Carioca: criação e conectividade em Mr. Catra.
https://www.academia.edu/33042242/A_Est%C3%A9tica_Funk_Carioca_cria%C3%A7%C3%A3o_e_conectividade_em_Mr._Catra.pdf

Link para Tese Mulheres perigosas: uma análise da categoria piriguete.
Link para Tese A Zuadinha é tá, tá, tá, tá: representação sobre a sexualidade e o corpo feminino negro.
https://www.ufrb.edu.br/pgcienciassociais/images/Disserta%C3%A7%C3%B5es/2015/Disserta%C3%A7%C3%A3o_WELLINGTON.pdf

Link para Tese Erótica dos signos nos aplicativos de pegação: processos multissemióticos em performances íntimo-espetaculares de si.
https://www.academia.edu/36787025/Er%C3%B3tica_dos_signos_em_aplicativos_de_pega%C3%A7%C3%A3o_performances_%C3%ADntimo-espetaculares_de_si

Link para Tese Personagens emolduradas: os discursos de gênero e sexualidade no Big Brother Brasil 10.
https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tde/1005

Link para Tese “Agora eu fiquei doce”: o discurso da autoestima no sertanejo universitário
http://wwws.fclar.unesp.br/agenda-pos/linguistica_lingua_portuguesa/3835.pdf

Link para Tese O herói na forma e no conteúdo: análise textual do mangá "Dragon Ball" e "Dragon Ball Z"'
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/11288

Link para a Tese Experimenta-te a ti mesmo: Felipe Neto em performance no YouTube
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/BUOS-993KDG

Link para a Tese A pedofilia e suas narrativas: uma genealogia do processo de criminalização da pedofilia no Brasil
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-15042015-152015/pt-br.php

Link para Tese "É tudo psicológico! Dinheiro... Pruu? Fica logo duro" - desejo, excitação e prazer entre boys de programa com práticas homossexuais em Recife"
https://www3.ufpe.br/pospsicologia/images/Dissertacoes/2010/viana%20normando%20jos%20queiroz.pdf.

Link para Tese "Ou vai ou racha" e "Surto e Deslumbramento": Entre Carnavais e outras f(r)icções."

Link para Notícia sobre a Tese Dilma Rouseff: Uma mulher fora de lugar - Narrativas da mídia sobre a primeira presidenta do Brasil."

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