quarta-feira, 4 de abril de 2018

Posso Falar?


Tolerância é uma das palavras mais familiares nos dias atuais. Por definição, pode ser tanto uma virtude, como um vício, dependendo do contexto. Em nossas vidas privadas, nossa tolerância pode estar estreitamente alinhada com nossos gostos e desgostos. Em nossas vidas públicas, ela deve ser moldada por regras normativas e valores que regem nossa ordem social.

Entre os valores humanos mais fundamentais devemos destacar a liberdade de expressão. Ela é uma “condição indispensável” a todos. Porém, hoje vamos nos ater apenas ao seu emprego e uso em ambientes acadêmicos. Estudantes universitários, especificamente, necessitam que essa prerrogativa indispensável seja respeitada, especialmente no tocante ao desenvolvimento de espaço para o debate, discussão e a colaboração, inerentes e essenciais à ideia de um ambiente universitário. Porém, não é isso que acontece dentro dos portões das universidades brasileiras.
 
A liberdade de expressão está sob ataque em nossas universidades - um ataque deliberado e organizado, que culmina num acúmulo de episódios que diminuem seu significado em comparação a outras considerações. Além disso, o conceito de universidade como espaço intelectual também está sendo subvertido. Isto decorre da preguiça intelectual, da restrição de debates de ideias, enraizamento de ideologias que visam apenas a doutrinação ideológica. Na grande maioria das vezes, o resultado não é uma competição de ideias ou uma busca por pluralidade de pensamentos, é uma luta pelo poder.
 
No final do mês passado, ocorreu no Pará mais um caso que ilustra bem a situação de nossas universidades. Uma discente do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPA, Dienny Riker, orientada pelo Prof. Dr. Victor Sales Pinheiro, preparou uma dissertação de mestrado intitulada: “Casamento: Sua natureza conjugal e relevância para o bem comum”. Nela a candidata debate as ideias do casamento à luz de diversos teóricos, mas com especial foco no pensamento do filósofo australiano John Finnis, professor Emérito de Oxford (UK), um dos mais importantes e influentes filósofos jusnaturalistas da atualidade. Em meios acadêmicos dignos, ele é um interlocutor central e poderoso para qualquer discussão a cerca dos inúmeros temas sobre os quais já escreveu: aborto, eutanásia, casamento...
 
Justamente por ele não ser um autor panfletário, superficial, satírico ou mero apologista que as suas ideias têm merecido enorme respeito, não apenas entre aqueles que concordam com elas, mas também de muitos de seus mais duros inimigos teóricos, como os liberais progressistas Joseph Raz, Ronald Dworkin, Jeremy Waldron, utilitaristas como Peter Singer, ou pensadores de esquerda ligados aos Critical Legal Studies como Mark Tushnet e tantos outros.

John Finnis

Aberto esse paralelo explicativo, vamos agora ao ponto crucial de tudo isso: a censura declarada que sofrem os estudantes universitários que tentam criticizar, de forma mais ampla e fundamentada, o pensamento acadêmico.
 
A publicação antecipada do conteúdo da tese da mestranda Dienny provocou, sem surpresas, a reação política do movimento LGBT em redes sociais e também de associações estudantis.
 
Mas por quê?
 
A mestranda abordou em sua tese a questão do casamento homoafetivo, aplicando ao seu conceito as ideias criticas de John Finnis. Nenhum pecado, nenhum crime, nada mais natural do que a busca de estabelecimento de contrapontos teóricos no meio acadêmico. Até porque homossexuais também já produziram teses sobre o casamento heterossexual. Isso não é discurso de ódio, preconceito ou discriminação.
 
Ah... Mas aqui no Brasil, não é assim que a banda toca.
 
Liberdade de expressão só existe para uns. Para outros, aqueles que tentam lançar novas visões aos antigos debates, resta apenas um rótulo: preconceituoso. Estamos realmente vivendo o que cantou Humberto Gessinger na música "Ninguém é igual a ninguém": Todos iguais, todos iguais / Mas uns mais iguais que os outros.

Humberto Gessinger - cantor e compositor

Numa nota pública, o DCE-UFPA repudiou com veemência o conteúdo da tese da mestranda por entendê-lo preconceituoso (olha a palavrinha aí) e sem os devidos méritos acadêmicos. Bom, quem transita em ambiente acadêmico sabe que nada daquilo que conta como pesquisa e fundamentação de tese pode ser embasado em senso comum ou opinião pessoal, tudo tem que demonstrar sustentáculo e argumentação referenciada por teses de mestres, doutores, pós-doutores e PHD´s experientes e renomados, possuidores de status quo na esfera intelectual. O texto do DCE diz que a mestranda baseou sua tese em São Tomás de Aquino, um grande pensador e teórico, porém em nenhum outro momento, a narrativa do diretório estudantil faz referência aos outros teóricos nos quais a tese se apoiou, como no caso John Finnes. Talvez porque essa estratégia já seja uma forma de lançar a dissertação de Dienny ao tipo de limbo em que o meio acadêmico constantemente lança discussões as quais classificam meramente como de cunho religioso (leia-se cristão), como se elas fossem indignas de abordagem em meios universitários. Já estamos acostumados à isso, afinal tendo em vista tudo que vem ocorrendo dentro das paredes das universidades brasileiras (oficinas de siririca, trabalhos sobre boquete em banheiros públicos e por aí vai) não é exagero nenhum dizermos que chegará o dia que ser cristão se tornará prerrogativa para a eliminação de candidatos, antes mesmo da prova do ENEM.
 
O que impera no meio acadêmico é a tríade: ânus, aborto e drogas. Esses são os "velocinos de ouro" das universidades, principalmente as públicas, e movimentos sociais. Ir contra qualquer um desses itens, tentar abrir o debate sobre esses pontos, é certeza de que o aluno será perseguido e sofrerá sanções bastantes contundentes, como o ocorrido à mestranda Dienny.
 
E é justamente aqui que entra uma preocupação muito séria: Como garantir a isonomia e pluralidade de opiniões num debate acadêmico onde a censura imposta proíbe a flexibilidade de abordagem de determinadas temáticas?
 
Difícil, muito difícil.
 

Qualquer um que tenha trabalhado por algum tempo em uma ou mais de nossas universidades pode atestar que o exemplo da mestranda Dienny não é excepcional ou incomum. Ele faz parte do rol de atitudes e comportamentos que minam a liberdade de expressão nos campus universitários. Essa liberdade é vista por muitos como um entre os valores concorrentes e não como a "condição indispensável de qualquer outra liberdade" como esclareceu sabiamente o outrora Presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, Michael McLaughlin.
 
Isso não interfere apenas na formação do alunado. O conceito de universidades como espaços intelectuais também sofreu profundas alterações a partir do momento em que passou-se a interferir, de maneira quase que ditatorial, na liberdade de expressão.
 
O trabalho intelectual é um trabalho árduo, e aqueles que estão comprometidos com ele devem dedicar tempo para se informar cuidadosamente, para pensar em questões complicadas e para testar seu pensamento no mercado de ideias. Isso requer um esforço disciplinado e paciente, além da determinação de envolver e ouvir os outros. Esquecer-se da necessidade de contraponto é a certeza de que estão construindo dogmas e não conhecimento. O caminho de menor resistência é um caminho mais fácil. Possui emoção sobre o intelecto e denúncia em vez de argumentação. Foi bem isso que vimos no caso aqui exposto.
 
É isso que, infelizmente, se tornou o padrão nas universidades brasileiras.
 
Por conta do predomínio de ideias socialistas, comunistas e liberais na academia, na mídia e na indústria do entretenimento, outras formas de pensar, especialmente o pensamento conservador, são ativamente reprimidas na esfera pública. Epítetos são usados ​​para descrever pessoas com as quais os esquerdistas não concordam (“racista”, “intolerante”, “xenófobo”, "homofóbico", "machista", "coxinha"...), fechando assim todo o debate e criando um ambiente hostil para abrir o pensamento e a expressão. É de fato uma circunstância orwelliana o que está acontecendo, e é quase certamente letal para a democracia.
 
Apesar de alegações de tolerância a ideias variadas, os intelectuais acadêmicos - especialmente os esquerdistas, tem se mostrado fortemente intolerantes no debate do contraditório. Esses mestres e doutores são abertamente hostis a estudantes que se oponham aos ideais por eles defendidos.


Em um campus universitário em particular, liberdade de expressão significa permitir que uma variedade de palestrantes, mestres, doutores, pós-doutores, PHD´s compartilhem suas opiniões e se engaje em discussões e debates sobre os mais variados temas e suas vertentes e desdobramentos. Mostrar para o alunado apenas uma vertente intelectual é no mínimo, falta de empenho profissional, para não falar em falta de caráter e no teor e gravidade da ação de manipulação e doutrinação ideológica.

Mas o que aconteceu à mestranda Dienny?
 
Até o fecheamento dessa edição, a informação da qual dispomos é que a apresentação de sua tese de mestrado à Banca Examinadora foi suspensa. Deveria ter ocorrido hoje, dia 04 de abril.
 
Aguardamos o desfecho dessa história, torcendo para que a falsa tolerância apregoada pelos movimentos sociais e meios acadêmicos, seja suplantada pela verdadeira tolerância, aquela que está sempre disposta a ouvir sem prejulgar.


Links

Link para resumo de Ideias de John Finnis
https://pt.wikipedia.org/wiki/John_Finnis

Link para notícia sobre oficina de Siririca em Universidade do Amapá
https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/no-amapa-dinheiro-publico-financia-oficina-de-siririca-e-chuca/

Link para Tese sobre Boquete em Banheiro Público
http://www.academia.edu/8044229/FAZER_BANHEIR%C3%83O_AS_DIN%C3%82MICAS_DAS_INTERA%C3%87%C3%95ES_HOMOER%C3%93TICAS_NOS_SANIT%C3%81RIOS_P%C3%9ABLICOS_DA_ESTA%C3%87%C3%83O_DA_LAPA_E_ADJAC%C3%8ANCIAS

Link para Nota de Repúdio do DCE UFPA
https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=1955848284485270&id=228212157248900


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