É praxe para grande maioria das instituições profissionais a prática do corporativismo - defesa dos interesses profissionais por parte de uma categoria funcional. Sindicatos e Associações protegem e defendem suas áreas laborais de atuação. Tudo muito bem aceito socialmente, quando aplicado a entidades civis. Quando o assunto é a categoria militar, a coisa é bem diferente. Qualquer ação de defesa de interesses da corporação militar é vista como tentativa de acobertamento de má conduta, desvio de finalidade ou ato criminoso. Este ainda é um enorme obstáculo a ser superado, ainda que a democracia estabeleça como base, a igualdade de direitos entre todos os brasileiros.
Já faz algum tempo, séculos para ser mais precisa, que os militares vão tendo suas atribuições e funções laborais reduzidas, perdendo espaço para novas instituições civis criadas exclusivamente para desempenhar papéis antes exercidos pelas forças armadas ou forças auxiliares.
Foi exatamente isso que aconteceu com a Polícia Militar quando do surgimento da Policia Civil.
O termo "civil" origina-se do Decreto Imperial nº 3 598, de 27 de janeiro de 1866, que criou a Guarda Urbana no Município da Corte e que dividiu a polícia em civil e militar. O ramo militar passou a ser constituído pelo Corpo Militar de Polícia da Corte, atual Polícia Militar, enquanto o ramo civil era constituído pela Guarda Urbana, subordinada aos delegados do chefe de polícia da corte.
Antes da publicação de tal decreto, todas as atribuições relativas à ordem pública investigações, diligências, prisões e afins eram de competência militar.
Atualmente, as Polícias Civis continuam integradas por servidores públicos com estatuto civil, com funções instituídas no artigo 144 parágrafo 4º da Constituição Federal, a elas incumbindo as funções de polícia judiciária e a apuração das infrações penais, enquanto, pelo parágrafo 5º do mesmo artigo, cabe, às Polícias Militares estaduais, o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública bem como infrações penais militares no âmbito estaduais e, na condição de milícias, são consideradas, nos termos do parágrafo 6º, forças reservas e auxiliares do Exército Brasileiro.
Porém, apesar de ter visto sua área de atuação ser diluída entre novos órgãos, todos eles são partes integrantes do estado. Talvez por isso, não se tenha chegado à necessidade de discutir a nomenclatura profissional. Tudo é policia e ponto final.
Mas enganam-se aqueles que pensam que a perda de poder funcional é coisa do século passado.
A bola da vez é o Corpo de Bombeiros Militar.
No Brasil, a história do Corpo de Bombeiros começa em 1856, no dia 2 de Julho. O Decreto, assinado pelo Imperador Dom Pedro II, instituiu o Corpo Provisório de Bombeiros da Corte, no Rio de Janeiro. Foram reunidas as seções de Bombeiros que existiam para o serviço de extinção de incêndios na Casa do Trem (Arsenal de Guerra).
Em 1880, a Corporação passou a ter organização militar e, foram concedidos postos e insígnias aos seus componentes. Com o passar dos anos, equipamentos mais sofisticados foram fornecidos e viaturas mecânicas passaram a ser utilizadas. Atualmente, nossos bombeiros não só apagam incêndios, mas se responsabilizam por atendimentos pré-hospitalares em caso de trauma, salvamentos em altura e em meio líquido, além das atividades de busca e defesa civil.
Mas, em 2009, a Lei Federal 11.901 de 12 de janeiro regulamentou a profissão de bombeiro civil. Preste bem atenção a essa palavrinha: CIVIL.
De olho nesse mercado emergente, surgem aqueles a quem podemos denominar de "Traidores da própria causa", militares que abrem cursos e escolas de formação de bombeiros civis, copiam uniformes, brevês, manicacas, insignias e trajes exclusivos das forças auxiliares, publicizam códigos e jargões inerentes à categoria militar, além de banalizarem o uso nomenclatural das patentes. Enfim, colocam seus interesses financeiros pessoais à frente das questões de interesse coletivo, segurança e representatividade de toda a corporação.
Começava aqui uma batalha silenciosa pela preservação dos direitos do Corpo de Bombeiros Militar. Digo silenciosa porque este não foi um assunto amplamente divulgado ou discutido pela mídia ou mesmo dentro da própria corporação militar.
A perda de poderes advinda da criação de instituições como a Policia Civil, Policia Federal, Guarda Municipal, Secretarias de Trânsito, é algo distante e esquecido. A corporação militar parecia estar anestesiada ante esse novo embuste criado e fomentado pelo governo esquerdista, que diga-se de passagem tem total ojeriza por tudo que é relativo aos militares.
Levada ao Congresso e ao Senado Federal, a questão continua ainda num impasse.
Em 2011, o ex-deputado Laerte Bessa apresentou o Projeto de Lei Complementar - PLC 7/11 - que tinha por objetivo a alteração da denominação do termo BOMBEIRO CIVIL para BRIGADISTA PARTICULAR. Porém, apesar de ter sido aprovado em carácter terminativo pela CAS - Comissão de Assuntos Sociais, não necessitando ir a Plenário, o projeto foi vetado pela então presidente Dilma Rousseff.
Mas o debate não parou por aí.
Além da nomenclatura, temos também uma outra questão muito interessante: a supervisão. Em alguns estados, há indicativos que os Corpos de Bombeiros Militares buscaram tomar a frente desta normatização, regulando e impondo limites às atividades dos bombeiros civis, tomando por base a própria legislação vigente e sua condição institucional. Nada mais justo e adequado, tendo em vista as atribuições pertinentes aos militares.
Em 2014, a Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia aprovou o Projeto de Lei 7085/10 que regulamentaria a profissão de brigadista civil (profissional que atua na prevenção e combate a incêndios). O substitutivo aprovado foi o mesmo apresentado em 2011 na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.
O texto original do projeto, do deputado Roberto Santiago (PSD-SP) e do ex-deputado Edmilson Valentim (RJ), alterava a Lei 11.901/09, que regulamenta a profissão de bombeiro civil. Já o substitutivo revogava essa lei e substituía a denominação “bombeiro civil” por “brigadista civil” e “brigadista particular”.
A proposta definia o brigadista civil como o profissional que exerce em caráter habitual, função remunerada e exclusiva de prevenção e combate a incêndio, como empregado contratado diretamente por empresas privadas ou públicas, sociedades de economia mista, ou empresas especializadas em prestação de serviços de prevenção e combate a incêndio. Já o brigadista particular era definido pelo projeto com um brigadista civil sem vínculo de emprego.
O substitutivo estabelecia regulamentação para a atividade privada de combate aos incêndios; assegurava direitos trabalhistas aos brigadistas, como uso de uniforme fornecido pelo empregador e adicional de periculosidade de 30% do salário mensal; e previa gradação das penas administrativas aplicadas às empresas que não cumprissem as disposições legais.
O texto determinava que o Corpo de Bombeiros Militares fosse responsável pela autorização e pela fiscalização das empresas especializadas.
A proposta previa ainda que essas empresas, para terem seu funcionamento autorizado e serem homologadas, deveriam ter: o objetivo no contrato social como empresa de formação de brigadista civil e brigadista particular; a comprovada capacidade de fornecimento de serviços de brigadista civil e brigadista particular; o registro nos Corpos de Bombeiros; e o registro no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea).
O texto permitia, mediante convenção ou acordo coletivo, a compensação da jornada de trabalho por meio de banco de horas para serviços prestados em horário administrativo.
Tudo muito bem estruturado, atendendo a todas as questões necessárias para a regulação laboral da nova profissão de Brigadista Civil, sem que isso acarretasse nenhum dano ou usurpação de atribuições aos Bombeiros Militares.
Mas a corporação militar toma novamente outra rasteira: findo o ano de 2015, o projeto é arquivado com base nos termos do Artigo 105 do RICD - Regimento Interno da Câmara dos Deputados, segundo o qual, ao término de uma legislatura, isso quer dizer, ao final de um mandato parlamentar, são arquivadas as propostas que se encontravam em tramitação.
Para os políticos que foram reeleitos, manter um projeto na Câmara é simples. Basta protocolar um documento com a seguinte frase: "nos termos do art. 105, parágrafo único, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, requeiro a Vossa Excelência o desarquivamento de todas as proposições de minha autoria".
No caso do PL 7085/2010, o que aconteceu foi que os deputados autores do PL 7085/2010, Edmilson Valentim (PCdo B/RJ) e Roberto Santiago (PV/SP) não foram reeleitos. A única maneira do PL 7085/2010 voltar a tramitar é se for reapresentado por um parlamentar que integre a nova legislatura.
Paralelo a tudo isso, um outro PL tramitava no Congresso. O PL 2639/2011 tratava da obrigatoriedade de contratação de Bombeiros Civis por toda e qualquer edificação ou conjunto de edificações públicas e particulares, comerciais ou assemelhadas. O que acabaria por cravar mais um prego na fragilizada atuação corporativa do Bombeiro Militar. Mas no dia 11 de agosto de 2016, este PL acabou sendo arquivado, bem como todos os seus apensados(PL 5405/2013, PL 6937/2013 e PL 626/2015) nos termos do art. 133 do RICD, por parecer contrário na Comissão de mérito.
Outra tentativa de normatização adequada para essa questão é a PEC 19/2013. Uma proposta de emenda à Constituição que rege sobre a possibilidade de formação de brigada civil(e não um Corpo de Bombeiros Civis) em municípios sem contingente de bombeiros militares. Explicação da ementa:
Altera o art. 42 da Constituição Federal para dispor que o Município em que não houver contingente de bombeiros militares poderá constituir brigada de incêndio, de caráter civil, formada por voluntários ou por servidores, nos termos de lei municipal, para atuação exclusiva em operações de salvamento e combate a incêndio.
Porém, essa PEC também esbarra em um empecilho: ela tramita em conjunto com outras PECs: PEC 102/2011(Unificação da Polícia), PEC 40/2012 (PEC da Guarda Municipal), PEC 51/2013(Desmilitarização da Polícia) e PEC 73/2013(PEC que torna a Polícia Federal um órgão de carreira única). Debater todas essas matérias em conjunto poderá acarretar enorme demora na definição da questão relativa ao Bombeiro.
Nesse entrave, muitas coisas encontram-se em jogo. Não só as funções laborais dos Bombeiros Militares ou suas áreas de atuação especificas mas, acima de tudo, a imagem de uma corporação com histórico de serviços centenários prestados à sociedade.
Dentre todas as justificativas encontradas por mim para o estabelecimento de limites e parâmetros bem claros de atuação para a profissão de brigadista civil, reproduzo aqui as palavras do ilustríssimo deputado Jair Bolsonaro:
“(...) a denominação “bombeiro civil” vem causando embaraços para as Corporações Militares e principalmente para a sociedade que confunde à área de atuação das duas profissões: Bombeiro Militar e “bombeiro civil”.
Os “bombeiros civis” tiveram sua profissão reconhecida recentemente, são ligados a grupos particulares, prestam serviços a empresas, tem o seu emprego terceirizado e a sua atuação depende de pagamento prévio aos empresários que administram tais serviços. É importante ressaltar que o trabalho dessa classe se limite às primeiras ações empreendidas em pequenos incêndios e até que os Corpos de Bombeiros Militares cheguem ao local do sinistro, conforme versa a lei que regula esta profissão, portanto seu emprego é limitado e restrito.
Já os Corpos de Bombeiros Militares, que tem sua história moldada ao longo de 155 anos, são instituições regulares, permanentes e definidas na Constituição Federal, componentes dos órgãos da Segurança Pública elencados na Carta Magna e são forças auxiliares e reserva do Exército, tendo suas atribuições definidas em lei federal. As instituições militares são entidades públicas e não estão limitadas a apenas um tipo de atendimento. Não escolhem a quem irão atender e nem localidade, isto demonstra diferenças fundamentais entre as duas categorias.
Vale ressaltar, que os Corpos de Bombeiros Militares vêm desempenhando um trabalho sério e respeitado pela nossa sociedade, isto pode ser devidamente comprovado por quaisquer pesquisas, que apontam sempre estas Corporações como líderes absolutos no ranque de profissões com maior credibilidade no País."
O que se busca nada mais é do que definição.
A mesma limitação que estabelece as diferenças entre médicos e enfermeiros, enfermeiros e técnicos de enfermagem, dentistas e protéticos, engenheiros e técnicos em edificações, psiquiatras e psicólogos. O mesmo respeito e direito à proteção de uma categoria profissional.
É necessário que as associações de Bombeiros Militares de todo o país entrem nessa luta e defendam, com unhas e dentes, os direitos de seus representados. Cobrem dos legisladores eleitos com o voto da categoria o empenho na resolução desse impasse. Afinal, ser militar não torna nenhum cidadão menos merecedor de direitos ou menos cidadão do que qualquer outro individuo.
Link para História do Corpo de Bombeiros no Brasil
http://www.bombeiros.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2
Link para artigo 144 da Constituição Federal
http://www.senado.gov.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_144_.asp
Link para artigo 144 da Constituição Federal
http://www.senado.gov.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_144_.asp
Link para Lei 11.901, de 12 de janeiro de 2009
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11901.htm
Link para PEC 19/2013
http://www.senado.leg.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=125945&tp=1
Link para situação atual da PEC 19/2013
http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/112262
Link para PEC 102/2011 - Trata da Unificação das Polícias
http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/102919
Link para PEC 40/2012 - Dispõe sobre competências da Guarda Municipal
http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106514
Link para PEC 51/2013 - Propõe a desmilitarização do modelo policial
http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/114516
Link para PEC 73/2013 - Altera a redação do § 1º do art. 144 da Constituição Federal, para determinar que a Polícia Federal é órgão estruturado em carreira única.
http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/115636
Link para PL 7085/2010
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=472415
Link para esclarecimentos sobre o PL 7085/2010
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRABALHO-E-PREVIDENCIA/146994-PROJETO-EXIGE-REGISTRO-NACIONAL-DE-EMPRESA-DE-FORMACAO-DE-BOMBEIRO.html
Link para PL 2639/2011 - Obriga toda e qualquer edificação ou conjunto de edificações públicas e particulares, comerciais ou assemelhadas, a contratar bombeiro civil
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=7D45D410481FB83F008D50BFE13DE13D.proposicoesWeb2?codteor=1468800&filename=Tramitacao-PL+2639/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário