Muito provavelmente, a maioria de nós já foi enganada pelo politicamente correto. O termo é bonito, soa bem, parece polido, cheio de virtude, digno de ser aprendido e posto em prática.
Com o tempo, no entanto, aprendemos que se trata de um embuste, mais uma daquelas novas expressões incluídas em nosso vocabulário para confundir e dar aparência de virtuoso àquilo que é vil, frívolo e indecoroso; roupagem fina para grosseria, ou um lobo em pele de cordeiro.
Mao Tsé-Tung |
Trata-se, na verdade, da pior ditadura que pode vir a existir: aquela em que os súditos se encarregam de subverter e subjugar seus iguais ao domínio de um poder tirano.
Falando em tirano, aproveitamos para esclarecer um fato de suma relevância no que diz respeito à origem do termo “politicamente correto”. Na China dos anos 30, aqueles que denotavam estrita conformidade com a linha ortodoxa do Partido Comunista, eram chamados de politicamente corretos. O termo foi cunhado por nada mais nada menos do que o próprio Mao Tsé-Tung.
Em 1967 o livro de Mao - oficialmente intitulado "Mao Zedong na Guerra do Povo" (embora mais conhecido como “O livro Vermelho") - tornou-se a palavra final para correção política durante os anos 1960. Transportado por milhões de chineses durante a "Grande Revolução Cultural Proletária" de 1968, o pequeno livro vermelho consistiu de citações de vários escritos de Mao, incluindo clássicos como "Significado de Reformas Agrárias na China", "Problemas estratégicos da guerra revolucionária da China", "Sobre a retificação de ideias incorretas no Partido" e "Sobre o manuseamento correto de contradições entre as pessoas”. A distribuição subsidiada, pelo governo comunista chinês, deste livro fez com que O Livro Vermelho se tornasse o segundo livro mais vendido na história, atrás apenas da Bíblia, tendo aproximadamente 900 milhões de cópias impressas.
Propaganda Chinesa incentivando a leitura do livro vermelho |
Assim, enquanto ele estava ocupado em transformar a China através de maciça "redistribuição da riqueza" (usando a violência e o terror para apropriar-se de grandes propriedades dos proprietários feudais e criar "comunas populares" em seu lugar), conduzindo guerras de guerrilha, promovendo "autossuficiência" da China, escrevendo poesia e filosofia, impondo políticas insanas que levaram a níveis sem precedentes de morte, fome e suicídios, até mesmo em massa - para não mencionar terrivelmente torturar até a morte milhares de opositores e críticos - o ainda reverenciado Mao Tsé-Tung estava obcecado com a certeza de que todos abraçavam os pontos de vista políticos "corretos", criando e fomentando o que se intitulou POLITICAMENTE CORRETO.
" De onde é que vêm as ideias corretas? Será que elas caem do céu? Não. Elas são inatas na mente? Não. Elas vêm de prática social e dela sozinho. Elas vêm de três tipos de prática social: A luta pela produção, a luta de classes e experiência científica "
"A fim de garantir que o nosso Partido e o nosso país não mudarão sua cor, é preciso não só ter uma linha correta e políticas corretas, mas deve-se treinar e trazer milhões de sucessores que levarão adiante a causa da revolução proletária”.
“O Partido Comunista sempre defendeu uma empresa e orientação política correta.... Esta orientação é inseparável de um estilo de luta dura. Sem uma orientação política firme e correta, é impossível promover um estilo de luta dura. Sem o estilo de luta dura é impossível manter uma firme orientação política correta".
Mao Tsé-Tung
Como todos os tiranos sociopatas, Mao teve uma grande tarefa diante dele: suprimir (se não extinguir) a consciência de centenas de milhões de pessoas através da manipulação, condicionando-as a pensar da mesma maneira - o que ele considerou a maneira "correta". Seu "Livro Vermelho", foi o manual de instruções ao qual os chineses oprimidos e amedrontados eram obrigados a seguir.
Interessante.
Livro Vermelho |
Mas o seu significado chegou até nós, disfarçado, oculto, embrulhado no “reluzente papel dourado" da transformação social. Um engodo que tomou forma nos anos 60, precisamente nos Estados Unidos, fruto do trabalho árduo dos membros da Escola de Frankfurt, radicados nos EUA, especialmente de Herbert Marcuse, o grande esquerdista responsável por promover as ideias que levaram os americanos a deflagrar, entre outras coisas, a revolução sexual.
Na época, universitários americanos abraçaram a defesa dos direitos civis, das mulheres, dos negros. Era uma época de inquietantes transformações na sociedade e sob a égide de que era preciso ensinar as pessoas a conviver com a diferença, estabeleceram-se as raízes do politicamente correto no ocidente.
Assim, negro virou afro-descendente, ativistas pró-aborto tornaram-se pró-escolha, pedófilos viraram praticantes de sexo intergeracional, estrangeiros ilegais tornaram-se imigrantes ilegais. O paradoxal aí é que, pela primeira vez na história americana, quem buscava estender os direitos civis também advogava por uma limitação na liberdade de expressão. Mas isso não foi à toa. Havia um objetivo muito preciso, muito pragmático.
Alguns intelectuais e escritores mais atentos já haviam intuído e profetizado o emprego do politicamente correto como forma de controle social. O mais destacado dentre eles foi o escritor George Orwell.
Em seu livro 1984, publicado em 1949, ele retrata o cotidiano de um regime político totalitário de modelo comunista. Orwell mostra como uma sociedade oligárquica é capaz de reprimir qualquer um que se opuser a ela. Um retrato da difusa fiscalização e controle de um regime coletivista-socialista na vida dos cidadãos, além da crescente invasão sobre os direitos do indivíduo. Desde sua publicação, muitos de seus termos e conceitos, como "Big Brother", "duplipensar" e "Novilíngua" entraram no vernáculo popular. 1984 é uma metáfora sobre o poder e atuação dos regimes comunistas. Orwell o escreveu imbuído de um sentido de urgência, para avisar os seus contemporâneos e às gerações futuras do perigo que corriam, e lutou desesperadamente contra a morte - sofria de tuberculose - para poder acabá-lo. Ele foi um dos primeiros simpatizantes ocidentais da esquerda que percebeu para onde o estalinismo caminhava e o enorme risco que a sociedade ocidental corria. Seu objetivo básico com a obra era imaginar as consequências de um governo stalinista dominante na sociedade britânica. Nas palavras do próprio Orwell:
George Orwell |
"1984 foi baseado principalmente no comunismo, porque essa é a forma dominante de totalitarismo. Eu tentei principalmente imaginar o que o comunismo seria se estivesse firmemente enraizado nos países que falam Inglês, como seria se ele não fosse uma mera extensão do Ministério das Relações Exteriores da Rússia."
Ah, mas como George Orwell previu o surgimento do politicamente correto?
O politicamente correto é a versão real da novilíngua, idealizada pelo governo autoritário do livro 1984. A novilíngua não nascia naturalmente como expressão da cultura e acúmulo de conhecimento do povo, mas pela condensação e remoção dos vocábulos e de seus significados, a fim de limitar o pensamento.
Simplesmente não pode estar no universo das pessoas algo que elas não têm palavras para dar sentido pleno. Em outra palavras, se eu não posso nomenclaturar, não posso dar sentido. Controlando, portanto, a linguagem, os governantes controlavam os pensamentos e qualquer oposição que pudesse surgir de novas ideias. Logo, não era preciso se preocupar em proibir a menção de coisas, pessoas, ou situações. Bastava diminuir o alcance de construção racional sobre elas.
Da mesma maneira, o politicamente correto quer sugerir verbetes que nos imponham um pedido de autorização para falar sobre determinados assuntos, tornando imoral o uso de sinônimos diversos.
Começa-se com coisas simples, aparentemente sem consequências importantes: o aleijado é deficiente físico; o cego é deficiente visual; o surdo é deficiente auditivo e assim por diante. Construções que aparentam apenas carregar em si um Q de eufemismo, de suavidade. Porém, o mesmo artificio é empregado para mudar totalmente parâmetros, como, por exemplo, nos casos de nomenclaturar viciados em drogas como dependentes químicos defensores do aborto como ativistas pró-escolha ou os adeptos da pedofilia como praticantes de sexo intergeracional.
Por mais que saibamos que existem maneiras discretas de se referir a determinadas situações, tornamo-nos mal educados e incorretos pelo simples fato de usar algumas palavras, que em si nada têm de ofensivas, são apenas descritivas, mas que na cartilha politicamente correta, adquiriram uma conotação inadequada, insensível e grotesca.
No entanto, o mais grave ocorre quando da emissão de opiniões, de ideias ou da consciência. Expressar desacordo tornou-se discurso de ódio, e qualquer parecer contrário aos interesses de um determinado grupo vira “fobia”.
Ou seja, a opinião é criminalizada sem a necessidade de lei.
Essa é a realidade da sociedade contemporânea. Quando conversamos, dialogamos ou expressamos nossas ideias, fazemos o tempo todo como que pisando em ovos.
As pessoas tornaram-se extremamente sensíveis a qualquer objeção ou ideia que venham a lhes desagradar. As palavras devem ser cuidadosamente escolhidas, e é preciso ter certeza que ninguém se sentirá ofendido com o que será dito.
O uso constante do sufixo “fobia” é uma clara imposição da novílingua, a aceitação forçada do discurso oficial, bem como o de rotular oposição como discurso de ódio. Na era do politicamente correto, todos nos tornamos, de alguma maneira, fóbicos e odiosos.
Se alguém não concorda com o modo de pensar ou de agir de outra pessoa, logo é acusado de ter fobia e odiar aquele a quem se opõe.
Uma demonstração bem clara dessa prática se dá no caso do programa Mais Médicos. Se você argumenta que o Brasil tem meios alternativos de resolver os problemas da saúde pública com seus próprios médicos, e, por isso, é contra a vinda de profissionais cubanos, será instantaneamente rotulado de xenofóbico.
Não interessa que você levante bons argumentos racionais, e que você não tenha nada contra os cubanos pelo fato de serem de outra nacionalidade. Você se tornou xenofóbico. Ponto final.
Igualmente, se você é contra determinada ideologia ou partido político, qualquer coisa que vier a falar contra eles, será denunciado como discurso de ódio. Algo totalmente conveniente aos intuitos primários da criação do politicamente correto como novílingua, nova língua: homogeneizar o pensamento e sua externização, tiranizando o povo e oprimindo dissidentes do sistema.
É interessante também notar que isso cria uma armadilha no momento que se exterioriza uma discordância. Veja alguns exemplos que geram discussões acaloradas:
1- quando o cristão defende princípios conservadores acerca da sexualidade, ele é rotulado de homofóbico. Não é preciso que o cristão tenha externado opinião alguma sobre gays ou lésbicas. Basta apenas que ele se declare partidário da ideia de casal como sendo a união entre um homem e uma mulher. Pronto. Isso é mais do que suficiente para rotulá-lo como homofóbico. A partir daí nada mais que o cristão venha a dizer ou fazer, será capaz de desfazer a imagem preconcebida que lhe foi imposta pelo discurso politicamente correto.
2- quando uma mulher declara sua preferência por cabelos lisos ao invés de crespos já é fator suficiente para que seja rotulada de racista. Não lhe é permitido sequer explicar sua escolha ou respeitar sua opção individual, sua opinião.
3- quando um indivíduo se diz favorável às ações da operação lava-jato, automaticamente já é rotulado como coxinha. Não importando os crimes, contravenções e malefícios que os envolvidos tenham perpetrado. Criticar um político corrupto de esquerda é o bastante para ganhar o rótulo.
Trata-se, claramente, de um preconcebimento de classificações, generalização de opiniões que sequer foram explicitadas. Algo que passa a 500 quilômetros da mais remota ideia de expressão da realidade.
Note bem, que o mecanismo mais difundido pelos partidários de nova língua é o acréscimo do sufixo fobia a tudo que lhes for contrário. Voilà! Está aí a defesa das ideias daqueles que se autointitulam “politicamente corretos”. Para eles, o pulo do gato é: dificultar que a outra pessoa construa argumentos, mesmo que para isso seja necessário transformar o diálogo em ataque pessoal, fora do campo da razão. Se alguém tentar argumentar contra uma prática ou uma ideia, basta apenas gritar aos quatro cantos que aquele discurso é cheio de ódio. Pronto! Aos olhos de muitos, o politicamente correto sempre sairá vencedor.
Quando o debate e a expressão são limitados, em vigia constante de uns sobre os outros acerca do que é certo dizer ou não, sobre quais palavras podem ser usadas e acerca do que se é permitido pensar, o diálogo, o confronto de ideias e a dialética tornam-se impossíveis. Instaura-se, assim, uma ditadura disfarçada e alimentada pelos próprios escravizados. O princípio de funcionamento por trás correção política é intimidação crua: Em uma cultura politicamente correta, se você ousa usar certas palavras - e, por extensão lógica, mesmo pensar de uma determinada maneira - você é ignorante, insensível, intolerante ou preconceituoso.
O que resta é o silêncio: vivemos a tirania do politicamente correto.
O marxismo transformado em linguagem.
O socialismo tiranizando nossa própria comunicação, nossa escrita, nosso idioma.
A ideia do politicamente correto é um verdadeiro ataque à liberdade da mente humana.
“O politicamente correto que pretende elevar-se a pensamento único, é uma nova ideologia totalitária. E mais perigosa e sutil, porque não se afirma e nem se pretende como tal. Não tem sede, nem partido, nem líder. É difusa, e todos sempre de algum modo vergam numa plenamente colonização cultural, impondo silêncio do que passa por inconveniente, criando tiques e reflexos condicionados, que nos levam todos a dizer o mesmo...”
Paulo Ferreira da Cunha,
professor catedrático da Faculdade de Direito
da Universidade do Porto
Links
Link para artigo sobre reflexões acerca do politicamente correto
Link para download do livro 1984, de George Orwell
Link para artigo sobre origens do politicamente correto
Link para artigo sobre o controle do politicamente correto sobre a mente humana
Link para download do Livro Vermelho - Mao Tsé-Tung
Um comentário:
Parabéns pelo texto.
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