Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou ontem (28 de março de 2019) a constitucionalidade do sacrifício de animais na realização de cultos de religiões de matrizes africanas. No julgamento, que começou no ano passado, os ministros entenderam que a crueldade contra os animais não faz parte do ritual de culto das religiões de origem africana. Além disso, a Constituição garante a liberdade de culto religioso a todos os cidadãos.
A questão foi definida por meio de um recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul contra uma decisão do judiciário local que definiu que o sacrifício dos animais não viola do Código Estadual de Proteção aos animais. A norma local definiu que os rituais de sacrifício nas religiões africanas não são inconstitucionais, “desde que sem excessos ou crueldade”.
Votaram sobre a questão os ministros Marco Aurélio, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Cármen Lúcia e o presidente, Dias Toffoli.
Durante o julgamento, Barroso entendeu que a lei local deu proteção especial às religiões de matriz africana em razão do histórico de discriminação. “A liberdade religiosa é um direito fundamental das pessoas, é um direito que está associado às escolhas mais essenciais e mais íntimas que uma pessoa pode fazer na vida”, disse.
Fux também destacou que todas as religiões devem ter suas liturgias respeitadas e citou casos de incêndios provocados contra locais de culto de religiões africanas em todo o país. “É o momento próprio para que o Direito diga em favor das religiões de matriz africana que não há nenhuma ilegalidade no culto de professam e nas liturgias que praticam”, afirmou.
Como vimos, pouco se debateu em relação aos direitos dos animais, tendo os ministros se atido apenas à questão da discriminação religiosa.
Será que apenas o sacrifício de animais é o fator gerador dessa discriminação?
Será que ao dar salvo conduto para a matança de animais em ritos religiosos, os ministros estarão pondo um ponto final na discriminação religiosa?
Necessário se faz esclarecermos que não somente as religiões de matrizes africanas promovem rituais com matança de animais. Tais ritos estão presentes também em cerimônias judaicas e muçulmanas, tendo gerado debates semelhantes ao do Brasil, em vários países europeus.
Voltemos à análise central da conclusão a que chegaram os ministros do supremo: "os rituais de sacrifício nas religiões africanas não são inconstitucionais, desde que sem excessos ou crueldade."
O ponto crucial disso tudo é: o que são excessos de crueldade?
Como mensurar a dor de um animal degolado, estrangulado ou esfaqueado?
Quem fiscalizaria e que parâmetros seriam utilizados para julgar se o animal estava sendo abatido em um rito "sem excessos de crueldade"?
Quem fiscalizaria e que parâmetros seriam utilizados para julgar se o animal estava sendo abatido em um rito "sem excessos de crueldade"?
Constituição à parte, o que se questiona aqui é mais do que um mero ponto de interpretação da lei ou a garantia de cumprimento de dispositivos asseguradores da independência religiosa. O que se questiona é a necessidade humana de sobrepor seu domínio sobre outra vida, sobre outra espécie, sem que isso seja indispensável a sua própria sobrevivência.
Um estudo da Universidade de Wageningen (leste da Holanda) concluiu que o sacrifício em rituais religiosos causa mais dor do que os métodos tradicionais de abate para consumo de carne animal pois, tais métodos deixam o animal inconsciente antes de matá-lo. Essa pesquisa acadêmica foi de grande importância para que vários países europeus, entre eles Holanda, Bélgica, Suécia, Noruega, Áustria, Estônia e Suíça, proibissem o sacrifício de animais em rituais religiosos. Já outros países, como a Espanha, legitimaram os sacrifícios ritualísticos, desde que tais atos cumpram o preceito de atordoar o animal antes de sua morte.
O Fórum Nacional de Proteção de Defesa Animal sustentou que nenhum dogma pode se legitimar pela crueldade. O primeiro passo para degradação de uma sociedade é sempre a dessensibilização da humanidade em relação aos animais e às crianças. Ainda que uma religião cometa sacrifícios em nome da fé, isso não justifica o fato do emprego da crueldade contra os animais. Esperamos que o Fórum Nacional de Proteção de Defesa Animal continue seu trabalho de resistência e persistência na luta contra os maus tratos e atrocidades contra animais.
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