Quando o governo tornou facultativa a contribuição sindical, entidades representativas se manifestaram alegando que isso fragilizaria a profissão. Embora recebesse o nome de “contribuição”, era obrigatória. Nos contracheques de todos os trabalhadores, sindicalizados ou não, era feito o débito. A reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) definiu que o empregado tem que autorizar “expressamente” o desconto. Na verdade, o ponto crucial foi libertar o trabalhador do julgo dos sindicatos. Agora outro aspecto na esfera trabalhista entra na mira do governo: os conselhos de classe. Determinadas profissões atrelam o seu exercício ao credenciamento e pagamento de anuidades/mensalidades aos referidos órgãos representativos. Caso o profissional não esteja em dia com o conselho, ele é proibido de exercer suas atividades laborais. Trocando em miúdos: ou você paga ou não terá como ganhar o "pão de cada dia", pois é refém do seu próprio meio profissional.
Ministro Paulo Guedes |
O Ministro da Economia Paulo Guedes quer dar mais liberdade profissional ao acabar com a adesão obrigatória a conselhos de classe. Os 29 principais conselhos de classe no país arrecadam juntos R$3 bilhões com a cobrança de anuidade obrigatória. Entre eles, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é o que mais fatura. De acordo com o Portal da Transparência, a OAB arrecadou ao menos R$ 529 milhões em 2017, apenas por meio das anuidades. Mas o montante é maior, já que nove seccionais não revelam seus dados."
Caso a PEC 108/2019 for aprovada, o monopólio de regulação dos conselhos de classe pode acabar. Assim, questões polêmicas atualmente impostas pelas entidades podem ser revistas, dando aos profissionais maiores possibilidades de direcionar sua carreira e sua forma de atuação. Um bom exemplo disso é a advocacia brasileira. Atualmente, no âmbito do Direito são proibidas a propaganda e a atuação de advogados estrangeiros no país. Estes são dois tópicos que dividem opiniões. Porém devemos levar em conta uma verdade inconteste: Os grandes, tradicionais e conceituados escritórios de advocacia já estão estabelecidos no mercado e não precisam de propaganda. Já os profissionais recém-formados sofrem com as dificuldades para se apresentarem ao mercado, especialmente por causa das restrições à propaganda.
O fim da proibição das propagandas efetivamente colaboraria para divulgação de direitos e precedentes. O público teria mais informações sobre seus direitos e deveres. Mas se por um lado as pessoas, uma vez mais bem informadas, recorreriam mais ao Judiciário para resolver problemas, por outro haveria mais processos na justiça. Hoje o Poder Judiciário brasileiro tem cerca de 80 milhões de processos em tramitação. Proporcionalmente ao número de habitantes, é o segundo mais caro do Ocidente, perdendo apenas para El Salvador.
Ao contrário do Brasil, os escritórios de advocacia norte-americanos podem se promover distribuindo panfletos, veicular propagandas na televisão e em outdoors. O caso Bates vs. State Bar of Arizona julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1977 foi responsável por definir as regras de propaganda da advocacia naquele país. O processo envolveu John Bates e Van O'Steen, dois jovens advogados, graduados pela Universidade Estadual do Arizona em 1972. Para melhorar o fluxo de negócios do escritório, eles investiram em propaganda, mais especificamente em um anúncio com os preços de cada serviço. Em 1976 o Estado do Arizona proibiu os advogados de fazerem propaganda de seus serviços. Por conta disso, um processo disciplinar foi aberto contra John Bates e Van O'Steen, caso fossem condenados poderiam ter seus diplomas suspensos, impossibilitando a ambos o exercício profissional do Direito. Habilmente, a defesa de ambos argumentou que a proibição da propaganda violava o Sherman Antitrust Act (a lei norte-americana antimonopólios) e a Primeira Emenda da Constituição americana (que trata da liberdade de expressão). Mas a coisa não parou por aí. O caso chegou à Suprema Corte, que considerou que “o discurso comercial atende a interesses sociais significativos”. Segundo os ministros, a propaganda informa ao público a disponibilidade, a natureza e os preços dos produtos e serviços, permitindo aos consumidores atuar de forma racional. Uma leitura muito sábia sobre a real interpretação da necessidade da propaganda. Os magistrados também levaram em conta o fato de que, de acordo com um estudo da época, 70% dos norte-americanos não estavam sendo atendidos ou alcançados adequadamente pelos advogados. Isto é, o acesso à justiça no país era precário e permitir a propaganda poderia ajudar a melhorar esses índices. Outro argumento considerado pelos julgadores foi o de que a propaganda incentivaria a concorrência, propiciando uma melhora na qualidade dos serviços jurídicos. E para arrematar, a Suprema Corte decidiu que a proibição da publicidade de advogados violava a garantia de liberdade de expressão.
Voltando a nossa PEC - 108/2019.
Profissionais de diversas categoria manifestaram apoio a PEC e comemoraram a mudança que pode descaracterizar o aparelhamento político instaurado nos Conselhos (como o de Psicologia, OAB e Medicina por exemplo).
Os profissionais fazem queixa do alto valor cobrado de anuidade, da falta de retorno dos Conselhos e do péssimo atendimento prestado – incluindo ausência de atendimento e desleixo no portal de transparência (que deveria mostrar pontualmente os gastos dos Conselhos).
Não devemos deixar de ter em mente que conselhos profissionais são entidades muito semelhantes a sindicatos. Se estes últimos foram atingidos por alterações da lei, por que os conselhos não podem ser? A verdadeira liberdade profissional é não ser obrigado a se credenciar em órgão algum para exercer sua profissão, afinal, quem deve reter a competência para aferir valoração a um profissional é a entidade educacional onde ele se formou. É a qualidade da formação profissional que credencia uma pessoa a atuar em determinada área.
Links
Link para PE - 108/2019
Link para caso Bates vs. State Bar of Arizona
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