segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Um dia

A primeira coisa que pensei ao ler Um Dia foi:
É um livro tão simples que acabou por tornar-se especial. Isso mesmo! Talvez essa seja a grande mágica do autor inglês David Nicholls.
Tudo começa na década de 80, mais precisamente no ano de 1988. Após estudarem juntos por alguns anos, mas andarem com turmas diferentes, Emma Morley e Dexter Mayhew se aproximam numa festa depois da formatura. Então o que eram apenas dois conhecidos começa a se tornar um misto de amizade e amor reprimido. Os dois vão parar na casa de Emma, ou melhor, na cama dela. Ali, durante a madrugada de 15 de julho, conversam sobre seus sonhos e planos para o futuro. Os diálogos iniciais são repletos de sentimentalismo e ideais platônicos, impregnados com a pureza dos que ainda não sofreram com os grandes reverses da vida.
Trecho do Livro:
Emma tirou o cigarro dos lábios dele.
- Eu posso imaginar como você vai ser aos quarenta anos — falou, um tom de malícia na voz. Sei muito bem o que vai acontecer.
Dexter sorriu sem abrir os olhos.
- Então, diga.
- Tudo bem… — Ela se mexeu na cama, o edredom preso nas axilas. Você vai estar num carro esporte com a capota arriada em Kensington ou Chelsea, num desses lugares, e o mais incrível nesse carro é o fato de ser silencioso, porque todos os carros vão ser silenciosos em… sei lá quando… 2006?
Ele apertou os olhos, fazendo a conta.
- 2004…
- E o carro está na King’s Road a dez centímetros do chão, sua barriguinha está espremida embaixo do volante de couro como uma almofadinha e você está com aquelas luvas sem dedos, já com cabelo rareando e sem queixo. Você é um homem grandão num carro pequeno, com um bronzeado de peru assado…
Porém apesar o teor idílico, a relação parece fadada apenas aquele inicio. Pelos próximos 20 anos, a narrativa mostra como está a vida dos dois jovens, sempre na mesma data, no dia 15 de julho. Neste ponto começa a mágica do livro. Apesar das logas passagens de tempo, é possível ao leitor acompanhar o rumo da vida das personagens como se fosse uma narrativa corrida. Mérito do autor, pois tal ferramenta pode transformar um livro em um estorvo sem pé nem cabeça.
Segundo a tradição inglesa, o clima do dia 15 de julho, o dia de São Swithin, se repete por 40 dias. No segundo capítulo do livro, a data é 1989. Um ano depois da intensa noite de amor, Emma está trabalhando numa pequena companhia de teatro. Já Dexter faz a linha playboy e está fazendo uma série de viagens, sem compromisso com nada nem ninguém. Os dois já não falam do romance que tiveram e se tratam como amigos. As características emocionais dos personagens centrais são bastante marcadas. Mesmo sendo bonita, Emma é insegura, aceitando um namorado apenas por ele estar interessado nela. Já Dexter não assume nenhum tipo de responsabilidade, sai com muitas mulheres ao mesmo tempo e age como um bacana rico e superficial na maior parte do tempo.
O jeito de jovem adulto dos protagonistas pode não agradar a todos, mas é difícil não se reconhecer nas falsas impressões e expectativas que eles têm, além de manter a torcida para que eles fiquem juntos. Trocando em miúdos, os personagens assumem posturas tão conflitantes na vida, que poderiam ser qualquer pessoa que nós conhecemos. Não são o estereótipo do “Bom Moço” e da “Donzela Indefesa”. São humanos, cometendo erros, arriscando-se em relacionamentos neuróticos ou fadados ao fracasso. Com o decorrer dos capítulos e da idade, é interessante ver o que o amadurecimento faz com a vida da dupla. E mais uma vez o autor conduzir de maneira delicada e sensível esta transição de fases da vida. Os temas oportunidades perdidas, amor perdido, ideais perdidos, arrependimentos, e acima de tudo, a importância da amizade fazem sentido para todos. A ficção acaba então por assumir ares de realidade.
Vale apena também observar as referências culturais(bandas de rock, programas de TV, livros, filmes) citadas no livro. Tais elementos servem magnificamente como âncoras para a ambientação de toda a história.
Dentre todos os momentos inesquecíveis dessa narrativa, vou chamar atenção do leitor para apenas alguns: o capítulo sobre a Índia (especialmente o destino inusitado da carta de Dexter para Emma), as passagens da vida de Dexter como celebridade e a viagem que o casal faz junto (este trecho traz uma carga sexual muito bem elaborada, fazendo com que o leitor sinta-se em uma situação tensa como uma corda de violino esticada ao extremo).
Se Emma e Dexter terminam juntos, dando vazão ao amor reprimido por 20 anos, eu não vou contar. Tudo que posso adiantar é que o final é totalmente possível de acontecer, com qualquer um de nós.
Publicado na Inglaterra, o livro ganhou status de fenômeno mundial. Já foram vendidos mais de 1,35 milhão de exemplares da obra, sendo 700 mil apenas no Reino Unido. Nos Estados Unidos, apenas no mês de lançamento, 275 mil cópias deixaram as prateleiras. O sucesso fez o título entrar para a lista de best-sellers do New York Times e Sunday Times, além de conquistar editoras interessadas em 37 países, incluindo o Brasil. Lançado aqui pela editora Intrínseca, o livro saiu com uma tiragem de 25 mil exemplares. Vendeu tudo. Na sequência, mais 25 mil exemplares foram impressos e, agora, a editora está imprimindo mais 30 mil exemplares. A boa resposta já faz com que a obra apareça entre os 12 livros mais vendidos do País.

Sobre o autor
Um Dia é o terceiro livro de David Nicholls. Além de escritor, Nicholls já assinou roteiros para a televisão e cinema (box abaixo), incluindo a adaptação de Simpático, peça de Sam Shepard, para a telona.




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