terça-feira, 9 de julho de 2019

Precisamos tornar hediondos todos os crimes praticados contra crianças


Há tempos que nossa sociedade vem sofrendo com maus tratos, tortura, estupro e assassinato de menores. Atos brutais praticados por criminosos contumazes ou por membros das próprias famílias das vítimas. Mas nas últimas duas décadas, o aumento dos casos de crimes praticados contra crianças vem alarmando a sociedade brasileira. São homicídios, estupros, sequestros, agressões, lesões corporais, exploração e abuso sexual...

Mais do que qualquer outro tipo de violência, a cometida contra a criança não se justifica, pois as condições peculiares de desenvolvimento desses cidadãos os colocam em extrema dependência de pais, familiares, cuidadores, do poder público e da sociedade. O aumento no número de casos de violência infantil, segundo os dados mundiais e brasileiros, mostra cada vez mais que é necessário demandar ações de combate a estes tipos de crimes.

As informações dos meios oficiais são estarrecedoras. Um dos dados mais chocantes é que mais de metade das vítimas de estupro no Brasil são crianças até 13 anos (51%). Foram abusadas, na sua maior parte, por amigos ou conhecidos (30%) e pai ou padrasto (24%). Os dados são do Ministério da Saúde e foram divulgados no ano passado, através do Atlas da Violência 2018.

Mas vamos voltar um pouquinho no tempo... Em 2011 o Ministério da Saúde registrou 14.625 notificações de violência doméstica, sexual, física e outras agressões contra crianças menores de 10 anos. A violência sexual contra crianças de até 09 anos representou 35% das notificações, ficando atrás das denúncias de negligência e de abandono, com 36% dos registros.

Publicado em 2013, o relatório Violência Letal Contra as Crianças e Adolescentes do Brasil, realizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FIACSO), nos trouxe dados ainda mais assustadores. Segundo esse estudo, os homicídios são a principal causa do aumento drástico das mortes de crianças por causas externas. Somente naquele ano, os assassinatos representam cerca de 2,5% do total de mortes de crianças de até 11 anos.

Outro estudo, publicado em 2017 pelo Instituto Igarapé, nos revela um dado ainda mais assustador: taxas relativamente altas de violência intencional no primeiro ano de vida. A cada 100 mil crianças de até um ano de idade, 4 são vítimas de assassinato. 

Isso é o retrato de uma realidade macabra, algo sem precedentes em nossa história recente. Se olharmos para trás veremos que de tempos em tempos somos sacudidos por uma tragédia envolvendo crimes contra crianças.

Ives Ota


Na manhã de 29 de agosto de 1997, o menino Ives Yoshiaki Ota, de apenas oito anos, foi sequestrado em casa, na zona leste de São Paulo. Por ter reconhecido um dos criminosos, que era segurança em uma loja da família, o garoto foi morto na madrugada do dia seguinte, com dois tiros no rosto. Mesmo depois da execução, os bandidos continuaram negociando o resgate. Os três envolvidos no caso foram condenados. 

O criminoso Adriano da Silva e suas 12 vítimas

Entre 2003 e 2004, Adriano da Silva matou e estuprou 12 crianças no norte do Rio Grande do Sul. Uma das vítimas era um pequeno vendedor de rapadura, que foi atraído até a casa do criminoso após a promessa de que o mesmo compraria todos os seus doces. Em 2006, o assassino começou a ser julgado e condenado nas várias cidades em que eu cometeu os crimes. Apesar de ter confessado 12 homicídios, ele foi indiciado por apenas 8. Todas as vítimas eram crianças entre 8 e 13 anos. 


João Hélio

No dia 07 de fevereiro de 2007, por volta das 21h, no bairro Oswaldo Cruz (RJ), Rosa Cristina Fernandes, acompanhada de seus filhos, Aline Fernandes (13 anos) e João Hélio (6 anos), foi rendida por três criminosos ao parar num semáforo. Sem paciência para esperar a mãe tirar a criança do carro, um dos assaltantes jogou o menino para fora do automóvel e fechou a porta. Contudo, João Hélio continuava preso ao cinto de segurança. A criança foi arrastada, de barriga para o chão, por sete quilômetros. Seu corpo ficou dilacerado, perdeu os dedos das mãos, os joelhos e a cabeça. Seus assassinos foram julgados e condenados por latrocínio. 


Isabella Nardoni

Em março de 2008, Isabella Nardoni, de cinco anos, morreu após ser jogada do sexto andar de um prédio na zona norte de São Paulo. Seu pai, Alexandre Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, foram condenados pela morte e estão presos. De acordo com a investigação, Isabella foi ferida na testa com algum objeto pontiagudo, como uma chave, quando ainda estava no carro com a família. Ao subir com a menina para o apartamento, uma fralda foi usada para estancar o sangue. Uma vez na sala da residência, Isabella foi estrangulada por cerca de sete minutos pela madrasta Anna Carolina, enquanto Alexandre cortava a tela de proteção da janela do quarto. Depois, a criança foi atirada pela janela. 

Bernardo Boldrini

Bernardo Boldrini tinha de 11 anos de idade quando desapareceu na cidade de Três Passos (RS), no 4 de abril de 2014. Seu corpo foi encontrado dez dias depois, em Frederico Westphalen. Edelvânia Wirganovicz, amiga de Graciele Ugulini, madrasta de Bernardo, admitiu que ambas praticaram o crime e mostrou o local onde o corpo foi enterrado, em uma cova com soda cáustica. O menino morreu depois de receber fortes doses do sedativo midazolam, em comprimidos e por via injetável. Além das duas mulheres, o pai do menino e o irmão de Edelvânia também tiveram participação no crime. Durante o julgamento dos envolvidos ficou provado que o pai e a madrasta perpetravam atos de violência psicológica e humilhação contra a criança, como mostraram vídeos encontrados no celular do pai. 


Menina de 03 anos


No dia 28 de maio de 2019, quatro crianças, com idades entre 9 anos e 1 ano e oito meses, que se encontravam morando com uma tia menor de idade e o namorado dela, foram deixadas sozinhas em casa, no bairro Setor Aeroporto, em Planaltina de Goiás. Com fome, os irmãos teriam pedido comida para uma vizinha. Quando os tios das crianças chegaram em casa, a vizinha chamou a atenção do casal por ter deixado as crianças com fome e sozinhas. A partir daí, deu-se início uma sessão de agressões contra as crianças, que resultou na morte da menininha de 6 anos, vítima de traumatismo craniano e várias lesões pelo corpo. Outra menina, de 3 anos, continua internada em estado grave. Os pais das crianças encontra-se presos por tráfico de drogas. 

Rhuan Maycon

Rhuan Maycon foi morto no dia 31 de maio de 2019, com 12 facadas dadas pela mãe, Rosana Auri da Silva, e pela namorada dela, Kacyla Pryscila. Além das facadas, a criança foi decapitada ainda viva. Depois do assassinato, as mulheres estriparam e esquartejaram o corpo, arrancaram a pele e tentaram assar em uma churrasqueira, entretanto não obtiveram sucesso. A dupla colocou partes do corpo do menino em uma mala e jogou dentro de um bueiro no bairro onde viviam. Outros membros foram colocados em duas mochilas, que ainda estavam na casa da família e seriam descartadas posteriormente. Além de Rhuan, as mulheres ainda criavam uma menina, também de nove anos, filha de Kacyla Pryscila. Ela foi encaminhada ao Conselho Tutelar após a prisão das assassinas. 

Henry Borel

O caso mais recente de assassinato e violência contra a criança foi o do pequeno Henry Borel, de apenas 04 anos. O menino Henry, filho de Monique Medeiros, foi encontrado morto no apartamento onde morava com a mãe e o padastro, o vereador Dr. Jairinho. 
O garotinho tinha diversas lesões graves pelo corpo. A mãe do menino e Dr. Jairinho disseram à polícia que o garoto teria sofrido um acidente doméstico no dia.

O laudo do IML, porém, apontou que o garoto sofreu diversas lesões graves em diversas partes do corpo. A perícia apontou ainda que a causa da morte foi uma hemorragia interna e uma laceração no fígado causada por uma ação contundente. Isso levou a polícia a descartar um acidente como a causa da morte. Mãe e padastro foram presos recentemente.


Estes foram apenas os crimes que ao longo de décadas estamparam as primeiras páginas de jornais, revistas, geraram horas intermináveis de reportagens televisivas e comoveram toda a nação.  Os casos que ganham repercussão na mídia levam a refletir e a levantar questionamentos sobre o número de crianças anônimas que diariamente são vítimas silenciosas e indefesas da violência. Provavelmente, existem milhares de crianças que rotineiramente são submetidas a ações violentas, porém estes casos nem chegam ao conhecimento do grande público. 

Todos os crimes aqui listados são considerados homicídios qualificados, ou seja, assassinatos considerados de grande perversidade ou em troca de recompensa, nos casos em que o autor do crime é ascendente ou descente da vítima ainda que em caráter adotivo, cônjuge ou ex-cônjuge ou ainda mantenedor de um relacionamento análogo a estes, quando a vítima é indefesa, menor de 14 anos, deficiente ou está grávida, nos casos que envolvem tortura, prazer de matar ou motivo torpe, quando é praticado por mais de 3 pessoas, faz uso de algum tipo de veneno ou é realizado com frieza ou persistência em matar. Embora a maior parte dos criminosos citados aqui neste texto tenha sido condenada a algum tipo de pena reclusiva, cabe ainda um importante esclarecimento a cerca da legislação penal atual. 

Apesar do nosso Código Penal tipificar o homicídio qualificado como crime hediondo, os marginais que praticam esses crimes ainda gozam de uma série de regalias. O preso pode pleitear o regime de progressão depois que cumprir 40% da pena. O mais sério porém é o fato de que ainda que seja reincidente o criminoso pode solicitar progressão de regime ao cumprir 60% da pena. Ou seja, levando em consideração que a pena para estes crimes varia de 12 a 30 anos, um assassino de crianças, caso seja condenado à pena máxima, pode sair da cadeia tendo cumprido apenas 12 anos de detenção. Algo totalmente inaceitável. 

Ainda que a penalidade máxima seja essa, nem todos os crimes perpetrados contra crianças são considerados hediondos. Apenas o homicídio qualificado e estupro de vulnerável estão nesse rol. A exploração sexual de crianças, o sequestro, a lesão corporal grave, tortura, aliciamento e pedofilia não estão enquadradas nessa tipificação e isso precisa ser urgentemente modificado.

A legislação de proteção da infância evoluiu muito nas últimas décadas, mas essa evolução, por si só, não parece suficiente para impedir a violência contra a criança. Embora constitua um avanço inegável e tenha trazido benefícios para as famílias e para as crianças no Brasil, a complexidade do fenômeno demanda ações e intervenções que a legislação em vigor não tem sido capaz de assegurar.

Nossa Constituição no Capítulo VII, Art. 227 descreve quais são os deveres em relação às crianças: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, `saúde, `alimentação, `educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” 

Além disso, no inciso 4º, encontramos mais um ponto de reforço à proteção à criança. 
“A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.”  Infelizmente, não é isso que nossa legislação está fazendo. Punições brandas, repletas de atenuantes e benesses para criminosos, nunca serão solução para enfrentamento da criminalidade contra crianças. Vale aqui salientar que o senso comum não considera alguém capaz de perpetrar crimes tão cruéis contra seres evidentemente indefesos,  como um ser capaz de ser reintegrado facilmente ao convívio social.

O que nos falta para cumprimos os ditames constitucionais de coibição aos crimes contra crianças são os mecanismos adequados, que garantam a efetiva punibilidade àqueles que atentam contra os pequeninos. É por isso que precisamos cobrar do Congresso e do Senado uma alteração na lei dos crimes hediondos, transformando todo e qualquer crime praticado contra crianças, desde de pedofilia e abuso sexual, à tortura, agressão, exploração sexual, lesão corporal grave e homicídio. Essa mudança na lei, privará os criminosos de alguns benefícios dos quais ainda desfrutam pela legislação atual. O poder de mudarmos nossa nação está em nossas mãos. Precisamos apenas mostrarmos aos nossos governantes o que desejamos para nosso país. 


LINKS

Link para Constituição 

Link para Matéria sobre Caso Rhuan Maycon 

Link para Matéria sobre Caso Isabela Nardoni 

Link para Matéria sobre Caso Yves Ota 

Link para Matéria sobre Caso do Serial Killer do Rio Grande do Sul 

Link para Matéria sobre Caso Bernardo Boldrini 

Link para Matéria sobre Caso João Hélio 

Link para Matéria sobre Caso dos irmãos de Planaltina de Goiás 

Link para Matéria sobre Caso Henry Borel
https://www.google.com/amp/s/oglobo.globo.com/rio/caso-henry-confira-que-cada-uma-das-18-testemunhas-contou-em-depoimento-policia-24949524%3fversao=amp

Link para Artigo sobre Crime Hediondos 

Link para Dados do Atlas da Violência 2018

Link para pesquisa do Instituto Igarapé

"De todos os presentes da natureza para a raça humana, o que é mais doce para o homem do que as crianças?"
Ernest Hemingway

Um comentário:

Anônimo disse...

Concordo totalmente com o texto!
Solucao Como Recuperar Dinheiro de Consorcio Cancelado, Sao Paulo - SP

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