Entregue ao Senado Federal no dia 17 de abril pela comissão de juristas responsável por sua elaboração, o anteprojeto de reforma do Código Civil apresenta uma novidade importante sobre sucessões: os cônjuges deixam de ser herdeiros necessários.
Pela redação atual (de 2002) do artigo 1.845 do Código, os herdeiros necessários são os descendentes (filhos, netos e bisnetos), os ascendentes (pais, avós) e os cônjuges.
Isso lhes garante direito a uma parte da herança legítima, que equivale a metade dos bens do falecido. Ou seja, 50% do patrimônio obrigatoriamente é destinado a todas essas pessoas e deve ser dividido entre elas. O objetivo dessa classificação é garantir uma correta divisão do patrimônio para os indivíduos, evitando que sejam totalmente deserdados ou privados de uma parte justa dos valores. Eles tem direito irrevogável a uma herança, mesmo que exista um testamento específico que não os mencione como beneficiários.
Caso o texto sugerido pela comissão seja aprovado, o cônjuge será excluído do artigo 1.845 do Código Civil, uma medida que divide a opinião de boa parte dos especialistas em Direito de Família e das Sucessões.
Na legislação atual, o cônjuge ou companheiro é considerado herdeiro mesmo havendo regime de separação convencional estabelecido em vida, só perdendo o direito à herança legítima se for deserdado ou eventualmente declarado indigno. Isso garante às viúvas segurança patrimonial e amparo econômico num momento de transição tão delicado como é a perda de um marido.
Em caso de ausência de testamento, o atual Código Civil estipula que a herança seja distribuída na seguinte ordem:
1° – Descendentes: filhos, netos e bisnetos, concorrendo com o cônjuge.
2° – Ascendentes: pais, avós e bisavós, concorrendo com o cônjuge.
3° – Se o falecido não tiver descendentes nem ascendentes, toda a herança é transmitida ao cônjuge.
4° – Se não houver nenhum dos herdeiros necessários acima, a partilha será realizada entre os herdeiros colaterais até o 4° grau de parentesco (irmãos, tios, primos e sobrinhos).
Isso significa que, se não houver um testamento, o cônjuge nunca fica desamparado.
Em 2017, o Supremo Tribunal Federal decidiu que companheiros (de uma união estável) e cônjuges têm os mesmos direitos de herança.
Na ocasião, no entanto, a corte não deixou claro se os companheiros também poderiam ser considerados herdeiros necessários, o que gerou controvérsia. A solução encontrada pela comissão de revisão do Código Civil foi excluir os cônjuges — e, consequentemente, os companheiros — do artigo 1.845. Tal justificativa é rasa em termos de argumentação e não leva em consideração aspectos sociais e econômicos dos brasileiros, como a dificuldade de acesso à assistência jurídica e a falta de conhecimentos sobre legislação em geral.
Também não se pode deixar de levar em conta o número de uniões estáveis no país. Mais de um terço dos casais optou por manter uma união estável ao realizar o casamento tradicional. No Brasil, o número de uniões estáveis já supera a marca de 36,4% do total dos tipos de relacionamentos. Os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que mais de um terço dos casais optou por manter uma união estável ao realizar o tradicional casamento civil ou religioso. Na região Nordeste o percentual de uniões consensuais em relação ao total das uniões conjugais supera o de casamento civil e religioso, totalizando 42,32% de casais que optaram pela união estável e 31,31% pelo casamento civil. O estudo realizado pelo IBGE ainda mostra que a união sem formalização é mais frequente em classes sociais mais baixas, representando 48,9% das ligações na população com rendimento de até meio salário mínimo, e entre brasileiros de até 39 anos.
Apesar de tudo isso, alguns juristas veem a proposta da comissão como positiva, pois amplia a autonomia do autor da herança para dispor de seus bens. A partir da mudança, seria possível pensar em completa dissociação patrimonial entre os cônjuges ou companheiros, tanto em vida quanto após a morte. Além disso, ela permite uma maior disponibilidade sobre o patrimônio e a herança como um todo, dando a oportunidade de elaboração de um planejamento sucessório mais amplo.
Mas quantos brasileiros tem acesso econômico e intelectual para realizar um planejamento sucessório? Como garantir esse direito às parcelas mais carentes da população? Quantos brasileiros serão excluídos dessa possibilidade?
Aqui vamos mencionar o que de fato nos preocupa em toda essa problemática: Como ficam as viúvas, especialmente as de baixa renda, nesse possível cenário de alteração? Ao deixarem de ser consideradas herdeiras necessárias elas perdem a segurança da lei na garantia de direitos mínimos, podendo até ter comprometidos itens como moradia e sustento básico, por exemplo. Um enorme retrocesso para a luta pelos direitos das mulheres.
Agora fica mais claro que em um primeiro momento, essa alteração pode parecer uma coisa positiva. Mas o problema dessa mudança é que a regra proposta pela comissão exclui direitos que haviam sido assegurados no Código Civil de 2002. É necessário evidenciar elementos sociais determinantes na condução dessa questão, como o fato de normalmente o patrimônio de um casal estar em nome do homem.
O anteprojeto de reforma do Código Civil estabeleceu alguns direitos sucessórios ao cônjuge e ao companheiro, mas todos transitórios, isto é, não definitivos.
Em outro artigo, o novo texto diz que o juiz poderá “instituir usufruto sobre determinados bens da herança para garantir a subsistência” do cônjuge ou sobrevivente caso haja “insuficiência de recursos ou de patrimônio”. No entanto, o dispositivo estipula que isso deixará de valer quando a pessoa “tiver renda ou patrimônio suficiente para manter sua subsistência” ou quando “constituir nova entidade familiar”.
Esta última condição é um absurdo, pois acaba impondo um celibato a quem recebe esse eventual direito. Em outras palavras, o direito só vale se a pessoa “se mantiver fiel ao defunto”, sem a possibilidade de formar uma nova família após a morte do antigo cônjuge ou companheiro.
Vivemos em uma sociedade onde a luta em defesa dos direitos da mulher é árdua e continua. Aprovar uma decisão que trará retrocesso a toda essa trajetória é, no mínimo, voltar ao passado, a um tempo onde apenas homens tinham direito a bens e heranças.
Vale lembrar que não foram os senadores que elaboraram o texto de alteração do Código Civil, mas serão eles que votaram as sugestões de mudança, dizendo o que fica ou não na nova legislação. Isso pode acontecer a qualquer momento. Justamente por isso, não devemos nos calar.
É necessário que as mulheres de todo o Brasil se mobilizem, não se calem diante dessa usurpação de direitos. Minha sugestão é que entrem em contato com os senadores dos seus estados, de forma educada, solicitando que eles se posicionem e não aceitem a exclusão da viúva como herdeira necessária.
Deixarei aqui o endereço eletrônico das redes sociais de cada senador. Façam contato e externem a nossa opinião sobre esse assunto.
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