segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Poluição do ar no Rio de Janeiro pode ser causa da morte de crianças, aponta estudo


Um estudo impactante realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Veiga de Almeida (UVA) revela que a poluição atmosférica pode estar diretamente ligada à morte de crianças na capital fluminense. De acordo com a pesquisa, 8,5% dos casos de mortalidade infantil no Rio estão associados à exposição a partículas finas (PM2,5), um dos poluentes mais perigosos presentes no ar. O trabalho analisou a concentração de Material Particulado Fino, de abril a novembro de 2023, nos distritos de Bangu e Santa Cruz, regiões que tem grande atividade industrial, especialmente siderúrgica, e intenso tráfego de veículos.

As partículas analisadas pela pesquisa, invisíveis a olho nu, são emitidas principalmente pela queima de combustíveis fósseis, como gasolina e diesel, além de incêndios e processos industriais. Uma vez inaladas, elas podem penetrar profundamente nos pulmões e atingir a corrente sanguínea, provocando doenças respiratórias, cardiovasculares e, no caso de crianças pequenas, complicações fatais.

A pesquisa, publicada em uma revista científica internacional de referência na área da saúde ambiental, reforça uma preocupação já antiga entre especialistas: as crianças são as maiores vítimas da poluição urbana. Por estarem em fase de desenvolvimento, seus sistemas respiratórios e imunológicos ainda são frágeis, tornando-as mais vulneráveis à ação dos poluentes.

O estudo também indicou outras regiões afetadas da cidade e revelou que bairros periféricos, comunidades e favelas localizadas próximas a grandes vias expressas e polos industriais concentram os maiores índices de exposição à poluição atmosférica. Áreas como Complexo da Maré, Vila Kennedy, Bangu, Santa Cruz, Duque de Caxias (na Baixada Fluminense) e até mesmo partes da Zona Norte, como Madureira e Bonsucesso, foram apontadas como zonas críticas.

Em muitos desses locais, a população convive com o tráfego intenso de veículos pesados, queimadas em lixões e pouca arborização urbana, fatores que agravam a qualidade do ar e aumentam o risco de doenças respiratórias, especialmente em crianças.

Usando uma metodologia validada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), os pesquisadores estimaram que 8,5% dos óbitos de crianças de até cinco anos por doenças cardiorrespiratórias poderiam ser evitados nos dois distritos caso o nível de PM 2.5 seguisse a recomendação internacional. O estudo considerou dados do sistema EpiRio, da Prefeitura do Rio.

Em todo o ano de 2023, a mortalidade de crianças menores de um ano por 1.000 nascidos vivos foi de 11,3 em Bangu e 13,8 em Santa Cruz. De 8% a 11% dos óbitos foram relacionados a doenças respiratórias.

O período seco, de junho a setembro de 2023, teve a pior qualidade do ar. Em mais da metade dos dias analisados, a medição de material particulado fino ultrapassou o limite considerado seguro pela OMS, de 15 microgramas por metro cúbico (g/m°).

O material particulado fino tem alta capacidade de penetração nos pulmões e pode alcançar a corrente sanguínea, causando inflamações e o agravamento de doenças respiratórias. As crianças são mais vulneráveis, por terem um sistema imunológico ainda em desenvolvimento.

Além da tragédia da perda de vidas, o estudo escancara o que especialistas chamam de injustiça ambiental: os efeitos da poluição não se distribuem igualmente. Crianças negras, pobres e moradoras de favelas estão entre as mais atingidas.Essa desigualdade revela um cenário em que fatores ambientais e sociais se cruzam, expondo os mais vulneráveis a riscos evitáveis.

Todos esses fatores implicam na necessidade urgente de políticas públicas voltadas à melhoria da qualidade do ar, ao monitoramento constante da poluição e à proteção especial às populações infantis em situação de risco.

A publicação do estudo deve pressionar gestores municipais e estaduais a tratarem a poluição do ar como uma questão de saúde pública urgente. Os autores alertam que, sem ações concretas, como a renovação da frota de ônibus, o controle de emissões industriais e o incentivo ao transporte público limpo, as estatísticas tendem a piorar nos próximos anos.

O ar invisível que envolve a cidade pode parecer inofensivo — mas carrega em si partículas letais. A ciência, mais uma vez, cumpre seu papel: alerta, denuncia e aponta caminhos. Agora, cabe à sociedade e ao poder público decidirem se o Rio de Janeiro vai continuar permitindo que crianças morram por falta de ar — literalmente.

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