Um estudo impactante realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Veiga de Almeida (UVA) revela que a poluição atmosférica pode estar diretamente ligada à morte de crianças na capital fluminense. De acordo com a pesquisa, 8,5% dos casos de mortalidade infantil no Rio estão associados à exposição a partículas finas (PM2,5), um dos poluentes mais perigosos presentes no ar. O trabalho analisou a concentração de Material Particulado Fino, de abril a novembro de 2023, nos distritos de Bangu e Santa Cruz, regiões que tem grande atividade industrial, especialmente siderúrgica, e intenso tráfego de veículos.
As partículas analisadas pela pesquisa, invisíveis a olho nu, são emitidas principalmente pela queima de combustíveis fósseis, como gasolina e diesel, além de incêndios e processos industriais. Uma vez inaladas, elas podem penetrar profundamente nos pulmões e atingir a corrente sanguínea, provocando doenças respiratórias, cardiovasculares e, no caso de crianças pequenas, complicações fatais.
A pesquisa, publicada em uma revista científica internacional de referência na área da saúde ambiental, reforça uma preocupação já antiga entre especialistas: as crianças são as maiores vítimas da poluição urbana. Por estarem em fase de desenvolvimento, seus sistemas respiratórios e imunológicos ainda são frágeis, tornando-as mais vulneráveis à ação dos poluentes.
O estudo também indicou outras regiões afetadas da cidade e revelou que bairros periféricos, comunidades e favelas localizadas próximas a grandes vias expressas e polos industriais concentram os maiores índices de exposição à poluição atmosférica. Áreas como Complexo da Maré, Vila Kennedy, Bangu, Santa Cruz, Duque de Caxias (na Baixada Fluminense) e até mesmo partes da Zona Norte, como Madureira e Bonsucesso, foram apontadas como zonas críticas.
Em muitos desses locais, a população convive com o tráfego intenso de veículos pesados, queimadas em lixões e pouca arborização urbana, fatores que agravam a qualidade do ar e aumentam o risco de doenças respiratórias, especialmente em crianças.
Usando uma metodologia validada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), os pesquisadores estimaram que 8,5% dos óbitos de crianças de até cinco anos por doenças cardiorrespiratórias poderiam ser evitados nos dois distritos caso o nível de PM 2.5 seguisse a recomendação internacional. O estudo considerou dados do sistema EpiRio, da Prefeitura do Rio.
Em todo o ano de 2023, a mortalidade de crianças menores de um ano por 1.000 nascidos vivos foi de 11,3 em Bangu e 13,8 em Santa Cruz. De 8% a 11% dos óbitos foram relacionados a doenças respiratórias.
O período seco, de junho a setembro de 2023, teve a pior qualidade do ar. Em mais da metade dos dias analisados, a medição de material particulado fino ultrapassou o limite considerado seguro pela OMS, de 15 microgramas por metro cúbico (g/m°).
O material particulado fino tem alta capacidade de penetração nos pulmões e pode alcançar a corrente sanguínea, causando inflamações e o agravamento de doenças respiratórias. As crianças são mais vulneráveis, por terem um sistema imunológico ainda em desenvolvimento.
Além da tragédia da perda de vidas, o estudo escancara o que especialistas chamam de injustiça ambiental: os efeitos da poluição não se distribuem igualmente. Crianças negras, pobres e moradoras de favelas estão entre as mais atingidas.Essa desigualdade revela um cenário em que fatores ambientais e sociais se cruzam, expondo os mais vulneráveis a riscos evitáveis.
Todos esses fatores implicam na necessidade urgente de políticas públicas voltadas à melhoria da qualidade do ar, ao monitoramento constante da poluição e à proteção especial às populações infantis em situação de risco.
A publicação do estudo deve pressionar gestores municipais e estaduais a tratarem a poluição do ar como uma questão de saúde pública urgente. Os autores alertam que, sem ações concretas, como a renovação da frota de ônibus, o controle de emissões industriais e o incentivo ao transporte público limpo, as estatísticas tendem a piorar nos próximos anos.
O ar invisível que envolve a cidade pode parecer inofensivo — mas carrega em si partículas letais. A ciência, mais uma vez, cumpre seu papel: alerta, denuncia e aponta caminhos. Agora, cabe à sociedade e ao poder público decidirem se o Rio de Janeiro vai continuar permitindo que crianças morram por falta de ar — literalmente.
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