quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Um fantasma funcional

Há algum tempo escrevi sobre minha experiência pessoal como professora. No texto Cuspe e Giz (click aqui para ler) abordei o caos na educação pública no Brasil. Hoje vamos falar de algo que vai além de um mero conceito: Analfabetismo Funcional. A primeira vista essa dupla de palavras pode nos passar uma imagem errada, algo que podemos primariamente considerar desconexo, se tonarmos apenas seus significados ao pé da letra.

Vamos entender...

A UNESCO define o analfabeto funcional como uma pessoa que sabe escrever seu próprio nome, assim como lê e escreve frases simples, efetua cálculos básicos, porém é incapaz de interpretar o que lê e de usar a leitura e a escrita em atividades cotidianas, impossibilitando seu desenvolvimento pessoal e profissional. Ou seja, o analfabeto funcional não consegue extrair o sentido das palavras, colocar ideias no papel por meio da escrita, nem fazer operações matemáticas mais elaboradas.

Preste bem atenção! 

É algo bem diferente de analfabeto ou semianalfabeto. 

É muito mais grave.

No rastro de um analfabeto funcional sempre está um histórico escolar ou um certificado de conclusão de uma ou mais etapas de formação educacional (ensino fundamental , ensino médio e ensino superior!)

No Brasil, o índice de analfabetismo funcional é medido entre as pessoas com mais de 20 anos que não completaram quatro anos de estudo formal. Mas este conceito varia de país para país. Na Polônia e no Canadá, por exemplo, é considerado analfabeto funcional a pessoa que possui menos de 8 anos de escolaridade (veja bem que não são 8 anos de idade!).

Segundo a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Click aqui para visualizá-la na integra), mais de 960 milhões de pessoas em idade adulta em todo o mundo são analfabetos, sendo que mais de 1/3 dos adultos não têm acesso ao conhecimento impresso e às novas tecnologias que poderiam melhorar a qualidade de vida e ajudá-los a adaptar-se às mudanças sociais e culturais. De acordo com esta declaração, o analfabetismo funcional é um problema significativo em todos os países industrializados e em desenvolvimento. 

No Brasil, 75% das pessoas entre 15 e 64 anos não conseguem ler, escrever e calcular plenamente. Esse número inclui os 68% considerados analfabetos funcionais e os 7% considerados analfabetos absolutos, sem qualquer habilidade de leitura ou escrita. 

E assim chegamos a algo verdadeiramente alarmante: Apenas 1 entre 4 brasileiros consegue ler, escrever e utilizar essas habilidades para continuar aprendendo.
  • Mas por que isso acontece?
  • Como resolver essa situação? 
  • Como reduzir esses números alarmantes? 
Sem dúvida nenhuma que a educação é o caminho. Alfabetizar mais pessoas com verdadeira qualidade. Essa é a questão: qualidade e não quantidade.

Infelizmente, hoje vemos que o Brasil optou pela quantidade a qualquer custo. O mais importante é maquiar essa dura realidade e esconder do povo a péssima formação que a eles é oferecida como um favor magicamente concedido, como a grande massa está sempre fadada a acreditar. Educação é um direito de fato, conforme preceitua a nossa constituição.


No fim desse caminho não é surpreendente que encontremos uma enorme quantidade de analfabetos funcionais com diploma até de nível superior! São médicos incapazes de receitar medicamentos através de seus princípios ativos, advogados que mal sabem elaborar uma petição, engenheiros que não conseguem articular cálculos estruturais, assistentes sociais que desconhecem em plenitude os direitos sociais, professores que não conseguem transmitir conteúdos didáticos aos alunos. 

Mas onde está a raiz disso?
Lá atrás...

O nosso país deveria se esforçar em alfabetizar com qualidade. 
Não é aumentando para 9 anos o Ensino Fundamental que a qualidade do ensino irá melhorar. Isso é apenas um golpe, um subterfúgio encontrado pelos detentores do poder para mascarar a realidade da educação brasileira. Também não é ampliando o horário escolar que teremos o problema resolvido. Os famosos programas de "Zerar a repetência" e " Classes de Aceleração" ainda não foram capazes de mostrar para que vieram, qual a sua verdadeira eficácia. 

Percebemos que em nosso contexto sócio-político, de pobreza e desigualdade, amplia-se a percepção da inexistência real de oportunidades iguais para todos, especialmente de oportunidades educacionais universais em termos de uma boa formação intelectual que permita ao aluno aprender e desenvolver-se como cidadão crítico e ativo.

Até quando estas políticas de aceleramento em nível dos projetos educacionais públicos, serão capazes de sugerir à população que a noção de direitos é cega, a ponto de propor a educação como um benefício concedido e não mais como um direito garantido, amparado por lei?


Se os alunos não forem incentivados à leitura, a atividades que trabalhem com inteligência, pensamento lógico e capacidade de relacionar temas diferentes, nenhum esforço do governo será válido. Continuaremos despejando, todos os anos, milhares de cidadãos "podados" intelectualmente, vilipendiados de seu direito ao saber.

Também não devemos nos esquecer dos professores. Eles são a engrenagem mais importante de todo esse processo. Melhoria nos cursos de formação dos docentes, remuneração adequada, capacitação continuada, estas são apenas algumas sugestões de como proceder, valorizando o professor. Porém é importantíssimo frisarmos o papel fundamental que o comprometimento e a ética profissional devem ter no exercício da docência. Não é possível oferecer educação de qualidade dissociada desses dois elementos norteadores.

Dá trabalho, é verdade, mas o investimento na educação de qualidade é a única forma capaz de reverter esse caótico quadro social brasileiro!

2 comentários:

Fabiana Foeppel Dias Lino disse...

Formar pessoas sem capacidade de questionar ou escolher melhores propostas de governo talvez seja a real função desses programas de educação que passam o aluno sem que ele tenha aprendido. Um analfabeto funcional certamente não será capaz de enxergar o mau político, que dirá de questionar os problemas da realidade. Você observa hoje nos cursos de graduação em nível superior pessoas com gravíssimos problemas de ortografia, interpretação de textos desde os mais simples, uso da gramática e qualquer coisa em matemática que nao seja as duas operações básicas: somar e diminuir! Há, inclusive, uma corrente defendendo que o português escrito pode ser o coloquial desde que a mensagem seja passada, sem preocupação nenhuma com a correção.

Priscilla Marcos S D disse...

Acredito que quanto aos cursos de capacitação são muito bons, porém muitas vezes não é dada a oportunidade para que os profissionais ponham as teorias aprendidas em práticas juntando isso a uma ideia incutida nos alunos de que a escola é chata temos um sistema vicioso que desestimula o professor e não muda a mentalidade dos alunos.

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