Em decisão proferida na noite dessa quinta-feira, o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou uma decisão do plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de outubro do ano passado que havia cassado o deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini, do Paraná, eleito para o cargo pelo PSL (atual União Brasil).
O tribunal cassou o mandato de Francischini depois do parlamentar ter sido acusado de disseminação de vídeo com notícias falsas sobre fraudes nas urnas eletrônicas durante as eleições de 2018. Ele também foi punido com a inelegibilidade por oito anos.
Em sua manifestação, Nunes Marques afirmou que “é evidente o ineditismo da interpretação adotada pelo TSE por ocasião do julgamento, em 28 de outubro de 2021, das referidas ações de investigação eleitoral. Essa matéria estava longe de ser pacífica naquela época [2018], já que até hoje o tema é agitado no mundo inteiro. Não é possível afirmar, com base em nenhum método hermenêutico, que essas eram as balizas a serem observadas por ocasião do pleito ocorrido em 2018.
Além disso, o Ministro frisou a total ausência de regulamentação referente àquela época. "Ninguém poderia prever, naquela eleição, quais seriam as condutas que seriam vedadas na internet, porque não havia qualquer norma ou julgado a respeito. Segundo se depreende da leitura do voto transcrito, o TSE ocupou-se da regulamentação do tema apenas em 18 de dezembro de 2018, quando publicada a Resolução n. 23.610. Ou seja, depois das eleições”, argumentou o ministro.
Nunes Marques declarou que compreende a preocupação do TSE, e também compartilha das mesmas preocupações no tocante ao uso da internet e tecnologia associadas na esfera do processo eleitoral. “Mas me parece que não há como criar-se uma proibição posterior aos fatos e aplicá-la retroativamente. Aqui não dependemos de maior compreensão sobre o funcionamento da internet. É questão de segurança jurídica mesmo.”
Em outro trecho da decisão, o magistrado defendeu as redes sociais e o seu bom uso. “Por outro lado, não podemos também demonizar a internet. É evidente que as redes sociais contribuem para o exercício da cidadania e enriquecem o debate democrático e a disputa eleitoral, dado o potencial de expressão plural de opiniões, pensamentos, crenças e modos de vida. Não cabe, sob o pretexto de proteger o Estado Democrático de Direito, violar as regras do processo eleitoral, ferindo de morte princípios constitucionais como a segurança jurídica e a anualidade”, continuou o ministro.
Nunes Marques também falou sobre o resguardo ao processo eleitoral, reconhecendo a ameaça de fatos inverídicos para o processo eleitoral. “A disseminação de fatos inverídicos e de ataques ao sistema eletrônico de votação e à democracia é reprovável e merece disciplina própria, por meio de lei, com vistas a resguardar-se o processo eleitoral e a formação da vontade popular”.
O magistrado também ressaltou que a lei não pode ser aplicada de modo retroativo. “Seu enquadramento como uso indevido dos meios de comunicação a partir do art. 22 da Lei de Inelegibilidades não é automático, nem pode ser aplicado de modo retroativo”.
Nunes Marques vai além e questiona a potencialidade do vídeo acusatório de causar quaisquer resultado danoso às eleições. “Faltam elementos mínimos aptos a comprovarem o comprometimento da disputa eleitoral em decorrência do que veiculado na transmissão. (...) Ora, em que medida a live, realizada nos vinte minutos restantes destinados à votação, teve o condão de produzir resultado concreto em benefício do candidato, de modo que se permitisse aquilatar a gravidade dos fatos? (...) Portanto, o mero conteúdo da transmissão ao vivo não caracteriza a gravidade da conduta, particularmente em face da ausência de provas de qualquer liame com a normalidade e a legalidade das eleições ou com benefício auferido pelo candidato.”
Em seu discurso, o ministro declarou também que diante dos fatos relatados, era inviável a determinação de presunções. “Inviável partir para presunções e inferências”. “Para se chegar à condenação por uso indevido dos meios de comunicação, seria necessário assumir que o internauta participante da live era eleitor no Estado do Paraná, não havia ainda votado e, tendo assistido à transmissão, convenceu-se, pelo conteúdo, a votar no candidato”.
“Desse modo, não cabe presumir, a partir dos dados atinentes aos comentários, compartilhamentos e visualizações obtidos no período de um mês após as Eleições 2018, o referido quantitativo do eleitorado que efetivamente tenha sido impactado pela transmissão. É possível que parcela considerável dos espectadores da live não consistissem em eleitores do Estado do Paraná, ou que já houvessem votado. Acresce a isso o fato de o vídeo ter sido transmitido nos últimos 22 minutos da votação, o que, por óbvio, limita significativamente o impacto no equilíbrio e na normalidade do pleito”, complementou Nunes Marques.
O ministro também ressaltalou que “tampouco se depreende da leitura do acórdão objeto do recurso extraordinário que a campanha do referido candidato tenha sido articulada, financiada ou executada com o objetivo de patrocinar o ilícito. Não há qualquer elemento ou evidência que possa estabelecer tal nexo”.
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