quinta-feira, 29 de novembro de 2007

RETRATO DA SOLIDÃO URBANA


Segunda-feira, 10:00 hs da manhã.

João Santana senta-se à porta de uma Igreja em Copacabana e prepara-se para pedir esmolas. Isso já faz parte de sua rotina. Baiano, nascido na cidade de Mata de São João, sempre sonhou com as luzes da cidade grande e, aos 20 anos, veio morar no Rio de Janeiro. Deixou para trás seus pais e irmãos, nunca mais os viu.

Em 1931, João chegou à "Cidade Maravilhosa", mas logo percebeu que o sonho não era tão maravilhoso assim. Passou fome, dormiu embaixo de viadutos e pontes, esmolou. Até que resolveu oferecer-se para trabalhar em casas de família como faxineiro. Ia de porta em porta e assim conseguiu suas primeiras freguesas. Com o passar dos anos conseguiu juntar dinheiro e comprou um apartamento no Edifício Rajá, um dos famosos prédios "Balança mas não cai" do Rio de Janeiro.

Falante, extrovertido e curioso, sonhava ser transformista. Mas não chegou a realizar este sonho. Gastou todo o dinheiro que ganhou com "companheiros" aproveitadores. Nunca pagou o INSS, nem teve caderneta de poupança. Não se preocupava com o futuro.

Aos 85 anos, arrependeu-se profundamente.

A vaidade é indispensável para ele. Apesar de ser careca, usa constantemente uma peruca velha e surrada. Seu uniforme de trabalho é um macacão cinza, mas de jeito nenhum anda pela rua vestido nele. Tem como mania colecionar camisas, porém nunca as usa com medo de gastá-las.

É um amor de pessoa. Carinhoso, atencioso e gentil, é capaz de dançar ballet para fazer uma criança sorrir.

Curioso é que ele nunca se apresenta pelo próprio nome, sempre usa o nome de algum famoso. Ultimamente ele é sobrinho do Bush, mas já foi Tarcísio Meira, César Maia e Rogéria.

Falando de solidão, João fica deprimido. Não gosta do assunto. Sabe que é só no mundo, não tem mais parentes e amigos são poucos. Foge do assunto dizendo : "O pior da solidão é não ter panelas e coar café em meias velhas”.

E você, quantos "Joãos" já conheceu?

Quantas vezes já parou para trocar um dedinho de prosa com ele?

Quantas vezes tentou entender o mundo através dos olhos dele?

No corre corre da vida, centenas de "Joãos" são engolidos todos os dias pela ilusão das luzes da cidade grande.

  

E, parafraseando Raulzito, nós apenas sentamos no trono de nossos apartamentos, com as bocas escancaradas, cheias de dentes, esperamos a morte chegar... sem nos questionarmos porque é mais simples fecharmos os olhos para eles.

Pense nisso...


*Dedico este texto ao verdadeiro João, desaparecido desde 2002. Deus te proteja, velho amigo!

Um comentário:

Rede Mundo disse...

Oi Barbara,
Sei que vc é perfeita nos seus textos e nas suas narrativas. Gosto de ler o que escreve pois, sinto sua alma falando como que acariciando cada palavra. Mesmo um texto tão triste, de um Brasil tão desumano e, de uma gente que não sente a dor dos seus compatriotas. Belo, divino, sublime! Confesso que vi um pouco de minha influência no seu texto, sem pretensão alguma de tirar o seu mérito, sabe ao que refiro-me. Pois bém, sinto-me emocionado e confesso, quase chorei. Muita pureza e simplicidade envoltas de verdade, têm uma força sem explicação em quem ler. É como vento que vira ciclone...
Deixo a minha satisfação e o inaltecimento que o texto causa e, causou em minha alma. Sem palavras para descrever... então reservo-me a um singelo, muito obrigado!
Tive a feliz oportunidade de conhecer esse João que descreveu... Esse João não é uma personagem. Ele é de verdade ou pelo menos, o foi. Tenho plena certeza que feliz deve ele ter ficado, onde quer que se encontre; se neste plano ou sabe Deus onde!
O que importa, é não ter sido esquecedo ao menos, por uma viva e sensivel alma deste mundo. E hoje esse João será eternizado, neste texto, por todos quanto tiverem alma. Em sabe lá uma fração de segundos ou quem sabe, eternamente. Fica a depender do ser humana. Se não, tão desumanos nos tornamos! João não será, por sua causa, apenas mais um ou menos um para nós.
Pois que, para esse João, fezeste a justa diferença.
Tenha certeza que João sorrir, pois sabe agora, que nunca esteve sozinho. Como o deveria ter sido.
Parabéns pelo ser que é. E pela capacidade e sensibilidade de unir as palavras com tamanha perfeição, que nos faz melhores.
Seu... eternamente,
SR.

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