sábado, 27 de junho de 2009

Escravas Brancas


“(...) Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas Jovens polacas e por batalhões de mulatas (...)”
Esses simples versos passam realmente despercebidos, mas, não deveriam. Eles trazem a tona as reminiscências de um grave e antigo problema brasileiro: tráfico de mulheres. Ornado sob um véu de mistério e luxúria, esse iceberg encontra-se ancorado nas profundezas de um mar sem fim. Mas quem seriam as jovens polacas cantadas nos versos acima? Resposta bem simples: jovens europeias, de várias nacionalidades, trazidas para o Brasil como escravas sexuais no final do século XIX. O mais chocante em tudo isso é que a grande maioria era judia. 

A presença de mulheres de origem judaica na prostituição das principais cidades brasileiras como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Santos era fato conhecido desde o final do século XIX. O número exato dessas mulheres é desconhecido, mas as estimativas apontam que mais de 10 mil mulheres foram trazidas para o Brasil através do tráfico internacional, entre 1908 e 1930. 

O grande número de mulheres judias entre as prostitutas presentes no Brasil do início do século, fez com que o próprio termo polaca passasse a ser sinônimo de meretriz. Enganadas por homens (judeus) que se passavam por criaturas idôneas e bem intencionadas, elas casavam-se na Europa com os “angelicais” traficantes. Depois eram convencidas a tentar a vida no Brasil. Começava aí o pesadelo. Na esperança de um futuro melhor (fugindo do anti-semitismo) elas acabavam por embarcar naquela que, em 99% das vezes, acabava por ser a ultima viagem de suas vidas. A grande maioria era obrigada a prostituir-se ainda no navio, durante a viagem. E isso era só o começo. O cáften (como era chamado o traficante judeu) escravizava a esposa enganada, obrigando-a a vender o corpo para sustentar o meliante. Alguns estudiosos deste fenômeno descrevem essa figura como: “capaz de vender a própria mãe ou de fazer tudo o que fosse necessário para garantir seu lucro e sua sobrevivência. Tal qual o demônio, podia travestir-se em uma pessoa instruída, elegante, que conhece o mundo. Desprovido de senso moral o cáften ri-se do pudor, da honra, da amizade, do amor, do patriotismo, da inocência, e só crê na magnificência do vício e na grandeza do dinheiro”. 


Torturadas, maltratadas, humilhadas e chantageadas, as jovens acabavam por entregar-se a famosa “Vida fácil”, que de fácil, realmente nada tinha. Sua origem racial agregava um peso funesto a sua situação. Baseados no ensinamentos do Antigo Testamento, os judeus repudiavam a prostituição: “Não haverá rameira dentre as filhas de Israel;” (Dt 23.17). Vender o corpo era uma atitude abominada tanto na esfera religiosa quanto na moral pelos israelitas. Era justamente este trecho das escrituras que muitas vezes era utilizado pelos cáftens para chantagear suas exploradas “esposas”. Sob o temor moral e da própria fé, elas acabavam sucumbindo à vontade o algoz. Julgavam ser mais honroso para suas famílias que acreditassem na mentira de uma vida próspera, ou recorriam ao artifício de declararem-se mortas.

Naqueles idos já havia a preocupação internacional de deter o tráfico de mulheres, mais especificamente o de mulheres brancas, numa clara indicação de que a prostituição de europeias escandalizava o velho mundo. Paralelo a tudo isso, a figura do judeu degenerador acabava por disseminar ainda mais o anti-semitismo pelo mundo. As operações realizadas pela polícia brasileira com o intuito de combater o lenocínio possuíam um caráter fortemente discriminatório e preconceituoso. 


O estigma construído em torno da figura do cáften judeu, tanto pelo discurso anti-semita, como pelo discurso criminalista, levava à perseguição constante de grupos de judeus e à sua expulsão do país. Mas apesar disso o tráfico continuava atuando. Seu declínio só veio a acontecer nos anos 40, quando dois fatores, quase que concomitantemente, marcaram a derrocada desse monstruoso episódio da nossa história: o extermínio do povo judeu pelo nazismo e o fim das zonas de meretrício no Rio (do Mangue e da Lapa) e em São Paulo (Bom Retiro). 

Talvez o mais aterrador em toda essa cruel história seja o fato de que as pobres enganadas não encontravam apoio e compreensão nem mesmo dentro da sua própria raça. Sempre foram discriminadas, em especial pela própria sociedade judaica no Brasil, chegando ao cúmulo de lhes serem negados direitos, como por exemplo, um enterro digno. Muitas não foram capazes de sustentar tão árduo fardo e acabavam por sucumbir, recorrendo ao suicídio como forma de fugir deste pesadelo. Não era raro encontrar em jornais daquela época notinhas de informe sobre moças que se matavam bebendo creolina e lisol. 

Tentando lhe dar com esse revés, muitas delas organizaram-se e fundaram associações, que dentre muitas coisas, construíram cemitérios especialmente para elas e seus descendentes. Um destes cemitérios fica em Inhaúma, Rio de Janeiro. A polemica em torno deste assunto traz tremores e palpitações à sociedade judaica até os dias atuais. É uma parte de sua história que eles gostariam de apagar. 


Em 2007, tudo isso voltou a baila quando um projeto de recuperação e tombamento do Cemitério das Polacas dividiu a opinião da comunidade judaica. Apesar da dramática história, as jovens polacas tornaram-se parte da cultura boêmia brasileira. Para nossa surpresa encontramos algumas colaborações das “Polacas” em nossa construção lingüística, em especial palavras populares. Quando suspeitavam que um cliente tinha uma doença venérea, diziam ein krenke (“doença”, em iídiche), que acabou se transformando em “encrenca”. E, quando a polícia dava incertas nos bordéis, elas gritavam sacana (“polícia”) – que virou “sacanagem”. 


Quem quiser saber mais sobre esse assunto vale a pena ler Jovens Polacas, da Miséria na Europa à Prostituição no Brasil, da escritora baiana ESTHER LARGMAN. É simplesmente fabuloso!

28 comentários:

X disse...

Muito bom falar desse assunto do tráfico de mulheres. Adoro dicas de filme e livro, vou procurar ler esse!!! bjus

Ana Gabi disse...

Poxa, seu blog ta indo de vento em popa!
Eu to um pouco enrolada, mas vou tentar retomar o meu, é muito bom ter um espaço pra lançar nossas ideias e fazer novas amizades!

Saudades de passar aqui, ainda essa semana leio uns posts e comento!

beijocas!

Sandra Figueroa disse...

Hola, que bello tu blog y las imagenes preciosas, fue un gusto leerte, gracias por dejarme tu huella, asi pude seguirte y leerte, te dejo un beso, cuidate.

Lorenzo Guerra disse...

muchas gracias por tus comentarios en el blog,seguire tu blog traduciendolo al portugues,un beso y un abrazo desde las ISLAS CANARIAS,AQUI TIENES UNA MANO AMIGA.

Unknown disse...

Passei por aqui lindo blog beijosssssssssss

Jose Ramon Santana Vazquez disse...

En este tiempo Barbara
para descansar,
amar, sentir y vivir
todas las sensaciones
que den paz,
sosiego y
tranquildad a nuestro corazon.
Desde mis HORAS ROTAS,
y AULA DE PAZ
un afectuoso abrazo y
cariño compartido
siempre desde el alma
saludos
de amistad:
---Jose Ramon---

Lorenzo Guerra disse...

gracias desde canarias barbara,un besote muy fuerte pere brasil

Suflê de Canela disse...

Oi Bárbara! Já passei pra conhecer seu cantinho! e achei uma graça! Parabéns! Vi que você colocou o Moulin Rouge nos seus filmes preferidos! Amooooooooo! Beijosss

Anônimo disse...

Oiii flor!! brigada mesmo pelo recadinho no meu blog!
Nooossa...achei super interessante as palavras de origem "polaca" muito legal!!!
Esse assunto é triste..mais triste ainda é saber que isso está longe de acabar...
Beijão flor

Minnie disse...

Olá Barbara!
Antes de tudo, obrigada pela visita e pelo comentário querido!
Fico lisonjeada com a visita de uma mulher cheia de qualidades como vc.
Adorei o seu blog, suas idéias e a "bagunça" encantadora de suas informações.
Ainda não conhecia um blog com esse "estilo literário". Gostei muito da forma como vc aborda diversos assuntos com propriedade, sem pedantismo, com informações objetivas e com a delicadeza própria de uma mulher.
E ainda, de empatia instantânea pelos pequenos toques de vida real e pessoal com fotos e poemas deixando o blog com o toque humano, feminino e pessoal.
Como já disse p/ algumas amigas virtuais, é incrível como um simples blog como o meu, me permite conhecer pessoas incríveis como vc no mundo todo!
Vou ser frequentadora assídua do Ideias de Barbara!!!
Bjos!

Stylosophy | Lisi disse...

Vim agradecer a visita no meu blog, putx, tu escreve bem demais, assuntos interessantes. Eu tenho dois blogs, um de coisas de mocinhas e outro de assuntos aleatórios, passa lá também, te convido.
Ahhh eu vou ler seus textos com mais calma, mas desde já parabéns.
Aparece por lá no stylosophy sempre que quiser, sinta-se a vontade.
Bjins.

Stylosophy | Lisi disse...

ahhh to seguindo...bjins.

Anônimo disse...

Oi...!!!
Q legal vc ter passado no meu blog
e deixado mensagem....amei!!
Obrigada pelo carinho, seu blog tbm é tdo de bom....
ando meu sem tempo de postar, mas logo vou me ajeitando.....rs!!!
Procurei um selinho seu p/ postar no
meu blog mas nw encontrei....

Bjos e aparece sempre, ta!!

Thaís Prestes disse...

Menina, quero um blog lindo desse pra mim rsrsrs e quero escrever como vc tb!!!! Parabéns mil vezes. Sem dúvida alguma, estarei aki a cada atualização. Muitíssimo obrigada por me convidar! Bjos e excelente semana!

Naiala Ferreira disse...

Bom dia Bárbara, adorei seu blog e fico feliz de achar gente da Bahia, tava me sentindo só na blogosfera. E obrigada pela visitinha, vou estar sempre por aki lendo seus posts.

Abraços!!!

Naiala Xavier

Eliane disse...

Olá, vim retribuir a visita!
Gostei muito das suas "idéias".
E obrigada por conhecer o meu cantinho.
Bjs
Eliane

Paz Brasil disse...

Oi muito obrigado pela visita!
O seu blog é muito legal!
Estou no Twitter:
www.twitter.com/cobradorbrasil

Anônimo disse...

Obrigda pela visitinha,adorei su blog tbm..é demais! beijos!

Patricia Pirota disse...

Oi Barbara, tudo bem?
Cheguei aqui por um link, e descobri que você linkou meu blog. Quero agradecer, viu. Muito obrigada!

Mas o principal é dizer que adorei seu blog. Tão gostoso de ler o que você escreve!
Com certeza voltarei mais vezes...

O/

Teka disse...

Obrigada pelas belas palavras...
Seu blog é realmente incrível... Recheado de informações.
O assunto é triste... mas é importante discutí-lo. Não sabia a história dessa música do João Bosco.
Também gostei de saber a origem das palavras "sacanagem" e "encrenca".
Beijo.

Verônica Cobas disse...

Oi, Bárbara,

Vi o seu comentário no meu post do Criative-se e vim te conhecer. Sou uma curiosa nata, daquelas que fuça histórias e saberes. Gostei demais de conhecer mais sobre a origem do termo "polacas" e de outras palavras incorporadas à nossa linguagem popular, mas oriundas de expressões em hídiche( ou iídiche) Na verdade, dentro desse universo blogueiro, os assuntos que mais me atraem são aqueles que instigam minha curiosidade, somam ao meu conhecimento e estimulam meu prazer.
Volte sempre ao Criative-se. Estou por lá todas as sextas, e sempre com crônicas. Tenho também um blog pessoal, bem confessional. É o www.assimquesou.blogspot.com. Se quiser conhecer, fique à vontade.

bjs. Veronica

Alexandre disse...

Hey, valeu por add e pelos elogios (sei q não mereço =P). Tbm adorei seu blog, e, claro, que irei acompanhá-lo ^^

Bjs

KANAAN disse...

Valeu as indicaçoes!!!

Raquel Diniz disse...

oeww.. tbm amei seus textos.. hj tow com um pouquinho de pressa mas prometo passar mais por aqui..
^^

bjo
:*

Jose Ramon Santana Vazquez disse...

...formidables ideas para tomar y dar nosotros barbara,es una buena forma de estar preparado...En este tiempo
para descansar,
amar, sentir y vivir
todas las sensaciones
que den paz,
sosiego y
tranquildad a nuestro corazon.
Desde mis HORAS ROTAS,
y AULA DE PAZ
un afectuoso abrazo y
cariño compartido
siempre desde el alma
saludos
de amistad:
---Jose Ramon---

Marcinha disse...

Não fazia idéia de nada disso.
Você como sempre inovando.
Adoroooooo

Anônimo disse...

Ola Barbara,
Vim retribuir a visita e me deparei com esse post maravilhoso "Escravas Brancas". Que triste sorte dessas mulheres, não fazia idéia que essa expressão na música do J.Bosco se devia ao tráfico de mulheres. Enfim, vivendo e aprendendo. Adorei o artigo e o blog também. Um grande abraço,
Edilza

Anônimo disse...

é, esse assunto deve ser cada vez mais debatido...

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